Terra dos Que Morrem em Série

Era uma vez um lugar chamado Terra dos Que Morrem em Série. País antigo, tradição milenar e um problema crônico: guerra civil por fanatismo religioso.

O resto do mundo observa as notícias das mortes que ocorrem por lá, como quem assite um filme que poderia ser real, mas parece mesmo ficção. Parece ilusão, pois é uma terra distante e com cultura diferente. Tudo que é diferente afasta a empatia do coração da gente. Se ao menos eles fossem católicos ou protestantes; o sangue corrido doíria um pouco em nossas veias; mas como eles são muçulmanos, "vai ver é karma" - a gente ouve; um espírita acredita e outros tantos sem religião aceitam.

Fácil dar explicações. Conveniente seguir sem prestar atenção. O que podemos fazer mesmo, não é?

Esses dias, conheci Mohamed e tudo mudou para mim. Eu também era assim. Distante, vago, quando o assunto era o Oriente Médio. Após colocar um ferramenta que traduz o meu blog para outras línguas, comecei a receber a visita desse blogueiro que vive na Terra dos Que Morrem em Série. Ele me enviou alguns recados sobre alguns textos, mas esses dias, recebi a seguinte mensagem:

" A escola que a minha filha estudava foi destruída por um homem-bomba. Ela não estava na aula nesse dia, pois estava doente. Seus amiguinhos todos morreram. Eu sei que vai parecer insensível, mas eu agradeci aos céus por minha filhinha não ter morrido, mas fiquei tão feliz que esqueci de orar a Aláh pelas almas dos seus coleguinhas.

A vida é assim mesmo. Se é o nosso sangue derramado, a gente entra em desespero e clama a deus, se é o sangue do outro, a gente agradece por não ter sido um dos nossos, mas se esquece de pedir luz para essas pessoas sem rosto que nunca conheceríamos mesmo.

No Ocidente deve ser diferente, não é amigo?"

Não era!

Fiquei com aquelas palavras no coração por dias. Estava triste por mim mesmo e pelo mundo que se não ignora, age como se a morte em série de um povo fosse menos importante que a morte de um artista pop.

Lembro do mundo em vigília, coletiva oração por um cantor americano; e um silêncio perturbador quando o assunto é a morte em série de milhares de iraquianos. Vai ver eles merecem, vai ver Aláh é que quis assim.

Será?

Não sei as causas, os motivos que permitem esse massacre, mas me importa muito lembrar que esse povo que morre em série poderia ser o povo do país ao lado; poderiam ser os nossos vizinhos, amigos ou mesmo familiares. Pensando assim, meu coração se sintoniza e de alguma forma, esse povo ferido fica mais próximo, mais amigo. Claro que ninguém quer pensar nisso, pois colocar um rosto nesse iraquiano morto desfaz o anonimato de quem morre feito gado. Porém, eu peço a todos com um pouquinho de coragem para, ao menos, em suas orações, lembrarem daqueles que sofrem e não conseguimos ver a face. Rezem por seus amados, mas não se esqueçam de pedir paz para aqueles que não conhecem na prática o significado da palavra. Se ajudar, imaginem que rezam por alguém que mora ao lado.

Se o pensamento tiver mesmo a força que achamos que ele possui, quem sabe, ao menos, uma bolha de luz sai da nossa casa e caia nos céus dessa Terra de Quem Morre em Série e acalme o coração dos assassinos, pacifique a intenção dos fanáticos e traga a compaixão do mundo todo para essa região.

Inshallah chegue o dia que não precisemos mais imaginar que um desconhecido que precisa de nossas orações tenha um rosto familiar para sentirmos vontade de ajudar...