O espelho
Lá estava ela, jogada no chão do banheiro, um espelho em uma de suas mãos e uma gilete na outra. Ela se lembrava de todas as surras que recebera de seus pais por ser uma garota má. Por não gostar de seus irmãos e por viver trancada dentro do quarto. Lembrou das noites em claro, do choro por tanto tempo reprimido dentro dela.
Claro, lembrou-se da primeira vez que, pois a dor e o sangue para fora de seu corpo. Ela afundava a tesoura em sua pele pálida e frágil e sentia a dor esvaindo e o medo por estar fazendo algo proibido foi indo embora junto com aquela amargura.
O sangue lhe causava fascinação, delírio, emoções extremas e prazerosas. Ela tinha controle sobre tudo naquele momento. Sobre ela, sobre a vida, sobre a morte.
Ee a cena se repetia, muitas vezes, dias, meses, e até mesmo por anos. Ela ligava o chuveiro, pegava uma gilete ou outros objetos cortantes e o ritual começava. Ela só parava quando se sentia livre da dor que a estava aprisionando por dentro. Limpava o sangue, tomava banho e colocava no rosto uma máscara de garota feliz.
Ela se lembrou de sua vida inteira. E naquele dia essas lembranças não doeram mais, ela estava decidida, nunca mais iria fazer aquilo, nem ser humilhada ou sentir dor.
Ela pegou um comprimido em seu bolso, tomou e esperou pelos resultados. Quando já estava anestesiada, pegou a gilete e foi cortando lentamente. antes, ela evitada as veias, dessa vez, foi direto nelas. O corte tinha de ser preciso e letal.
Se olhou no espelho pela ultima vez e escreveu nele com seu próprio sangue: Aqui jaz uma garota [in]Feliz.