Um sutil festival de aberrações
UM SUTIL FESTIVAL DE ABERRAÇÕES
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 02.12.2009)
Observador atento da cena política, Manoel Osório chegou à conclusão de que rola por aí um festival de aberrações sem que as pessoas se deem conta do que sucede porque o espetáculo prima pela sutileza dos movimentos, pelo sincronismo dos passos, pela sequência cuidadosa dos atos.
Por vezes, entretanto, algo foge ao controle e fatos simultâneos põem a nu o que acontece no "bas-fond" da vida. Por sorte, poucos são os Manoeis Osórios que percebem a farsa, menos ainda os que se atrevem a denunciá-la. Manoel Osório é um destes: não bota a boca no trombone, apenas sussurra aos amigos chegados - em tom jocoso para que, na dúvida, atribuam suas palavras a seu caráter brincalhão.
Sexta-feira foi um dia assim, confidenciava Manoel Osório, uma dessas raras ocasiões em que a sutileza, atropelada pelos acontecimentos, expõe um tanto dessas aberrações. Ele vai citando (não o ouviremos até o final por falta de espaço):
1. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), transparente na defesa dos seus interesses de produtora rural, combate com veemência a mania brasileira de querer proteger florestas como se fossem cachorrinhos abandonados e argumenta que “é o agronegócio que mantém o superávit no Brasil”; logo, ao negócio dos seus tudo deveria ser permitido sem entraves nem constrangimentos.
2. O deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), fiel a sua história de primogênito da ditadura, rebate a acusação do Ministério Público de ocultação de cadáveres e não identificação das ossadas dos mortos e desaparecidos políticos durante os anos de chumbo alegando que “depois de 39 anos, abordar de forma leviana um assunto dessa natureza é, no mínimo, uma acusação ridícula”.
8. O secretário municipal de Meio Ambiente José Carlos Rauen contesta as manifestações contrárias ao plano do governo estadual de leiloar a enorme área da penitenciária para a construção de prédios residenciais e comerciais, ao invés de destinar o espaço para fins culturais, de lazer e uso comunitário, com uma joia de raciocínio: “quem protesta não está examinando o benefício de ter uma penitenciária retirada do Centro” da Capital.
17. O jornalista Laudelino Sardá escreve que “Florianópolis necessita recuperar sua dignidade para afastar o risco de o prefeito alienígena e irresponsável destruir completamente”...
Tempo esgotado, Manoel Osório. Os costumes públicos foram para o esgoto.
(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas, Editora Garapuvu, Florianópolis)