Sempre Desconfiei das Formigas
Das desconfianças que tenho, e sabe Deus que são muitas; uma das mais antigas é a que tenho das formigas. Sempre desconfiei das formigas.
Quando criança passava boa parte do tempo observando-as. Quem quer que me visse com a cabeça entre os joelhos olhando fixamente para o chão suspeitaria de que eu era uma criança triste. Ao contrario, tive uma infância fascinante e muito disso se deve a um mundo em miniatura que eu julgava conhecer tão bem: o mundo das formigas.
Às vezes juntava gravetos e pedrinhas e iniciava uma perseguição as pequeninas. Espantava-me ver como eram ágeis apesar de tão minúsculas perninhas. Como um Deus soberano, imaginava que meus simples passos ou meus ataques premeditados as suas caminhadas se assemelhavam para elas a uma catástrofe natural. Regá-las com água ou distraidamente pisar em um formigueiro eu encara como um dilúvio de Arca de Noé. “Salve-se quem puder!”- quase podia ouvi-las gritando em minha imaginação.
Apesar dessas peraltices infantis contra seres tão insignificantes diante de minha grandiosidade, confesso que tinha grande respeito por elas, sobretudo por seu trabalho conjunto de (re) construir suas casinhas. Jamais desmanchei um formigueiro propositalmente, também por temer ser picado.
Tinha entre três ou cinco anos e me distraia com minhas amiguinhas enquanto minha irmã estava na pré-escola e minha mãe presa aos afazeres domésticos. Moravamos em casa com quintal, terra batida, canteiro e horta. Penso como minha infância teria sido menos lúdica se morássemos em um apartamento.
Era a minha fase dos “porquês” e tinha numerosas perguntas relacionadas a elas: Para onde vão? Como conseguem correr tanto? O que conversam em seus encontros? Quem as ensinou a andar sobre as paredes ou sobre as águas? Quantas eram? Quem entre as milhares era pai, primo ou tio de quem? O que acontecia dentro do formigueiro? Quem organizava seus horários? Porque também gostam de doces? Essas as minhas questões e uma constatação: a de que a vida social de uma formiga deveria ser bem mais interessante que ficar parado vendo televisão.
Alguns anos depois, já em minha adolescência, voltei minha curiosidade ao que me parecia ser a sociedade perfeita, segundo minha professora de Biologia: seres governados por uma rainha, trabalhando (e vivendo) em conjunto para o bem comum; sem qualquer necessidade de leis, principalmente as de transito, no que observava ser o maior engarrafamento do planeta. Como seres tão pequenos e irracionais conseguem se harmonizar tão bem? Talvez por serem irracionais são incapazes de dominar o mundo, ou mesmo já o dominam em parte e ainda não nos demos conta disso.
Agora sou adulto. Já não me fascina como antes as coisas simples, e digo isso infelizmente. Me preocupo em tentar entender o mundo sem o fascínio de antes. Me esforço para acreditar em coisas que não vejo. Deixei de ser o Deus soberano e passei a condição de formiga trabalhadeira na esperança de ter alguém maior a nos observar.