o curandeiro e a menina
Ele surgiu de repente; um dia não estava lá, no outro seu barraco de trapos já estava montado debaixo do viaduto. No início ninguém deu a mínima, afinal, era só mais um mendigo entre tantos outros. (Mas a coisa aconteceu depressa).
Alguém disse que o homem debaixo do viaduto tinha o dom da cura, foi o bastante para a rotina do lugar mudar drasticamente. A princípio iam poucas pessoas, porém, enquanto o curandeiro ganhava fama o número de enfermos aumentava sem parar; vinham de todos os lugares, de longe, de perto, à pé, de ônibus, de trem, em determinado dia até um carro de granfino estava parado por lá.
Muitos diziam que o mendigo realizava verdadeiros milagres; casos dados como perdidos pela medicina eram resolvidos com cem por cento de resultado positivo.
A maneira que ele operava chamava a atenção pelo inusitado; abraçava o enfermo por alguns minutos e transferia a doença para seu frágil corpo, em seguida, num ritual cheio de dores e gemidos, expulsava a enfermidade para os confins do inferno e estava pronto para o próximo necessitado.
Uma manhã fria e molhada trouxe à sua porta, logo que os primeiros raios de Sol surgiram no horizonte, a menina acompanhada de sua mãe; as duas pararam na porta do curandeiro e esperaram pacientemente. (cabeças baixas, coração contrito) O homem surgiu por detrás de uma cortina encardida e fitou as duas criaturas demoradamente. A mulher ergueu a cabeça devagar e quando seus olhos fitaram os olhos do mendigo ela soltou um longo gemido e começou a chorar. Ali, bem à sua frente, estava, quase que irreconhecível, seu marido que havia desaparecido há alguns anos e de quem nunca mais tinha tido notícia.
Ele pegou a criança no colo e a aliviou de suas dores, como fazia com todos que o procuravam. Entregou-a de volta para a mãe sem dizer uma única palavra. (talvez se tentasse falar sua voz não sairia)
A mulher ainda tentou dialogar mil perguntas sem respostas. Porque? Porque? Porque?
Mas a fila tinha que andar e ela resolveu ir embora para voltar no outro dia ainda mais cedo. E assim fez.
No dia seguinte o barraco não estava mais lá. As pessoas iam chegando sem saber o que tinha acontecido. A mulher e a menina se retiraram caladas. A mãe havia ganho uma filha mas havia perdido novamente o marido.
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Debaixo de um viaduto, em uma outra cidade, um mendigo montava um barraco de trapos.