VETERANO

Ele está comigo há mais de vinte anos. Foi um presente de aniversário. Capa brochura, azul marinho com letras douradas. Deve pesar uns dois quilos. Mil quinhentos e trinta e oito páginas de conhecimento. Meu companheiro nos momentos de dúvidas textuais, gramaticais, literais. Tocá-lo com meus dedos ágeis, sentir seu cheiro de sabedoria, é um ato que me renova. Um ritual que faz os versos passearem mais rápidos e fluentes pelas minhas ‘veias literárias’. Deve ser efeito da adrenalina, liberada pela excitação das consultas e descobertas. Parece-me que nele as palavras são mais concentradas e sei que dali jamais fugirá. Ele é único e indelével.

Nestes tempos de informatização globalizada, tudo o que se quer encontra-se disponível online. Desde significações de palavras, receitas de suflê e bolos, até amor e sexo. Entre outros assuntos e sentimentos estranhos e demasiadamente modernos. Mas nada substitui a integridade de um amor antigo. Sinto-me segura e bem assessorada com ele. Se houver outro apagão e o sistema elétrico cair fico sem acesso à rede e a qualquer informação. E essa é a melhor hora em que ele me consola. Nunca me deixa só, sempre vem em meu socorro. Posso vir a perdê-lo? Sim, pode acontecer com qualquer objeto de nosso afeto. Mas procuro alimentá-lo com carícias e folheadas a todo instante. Mantenho-o disponível na estante, ao meu alcance! (estou cheia de rimas hoje)

Veterano, amarelado, empoeirado e meio aos pedaços, para mim é o mais completo compêndio das palavras e significações da língua portuguesa. O velho Aurélio, do qual jamais me desfaço e juntos vamos cantando “Está findando meu tempo, a tarde encerra mais cedo, meu mundo ficou pequeno e eu sou menor do que penso...”