A cartilha

Não tenho nada contra cartilhas. Em meu tempo de criança, todo mundo tinha a sua e era através dela que aprendíamos a ler e escrever. Esqueci o nome daquela que usávamos na escola, lembro somente de algumas lições. A primeira era “a pata nada”. Outra, “o macaco come banana”. E a que eu mais gostava, “o rato roeu a roupa do rei de Roma”. Ficava imaginando o rei sentado no trono recebendo visitas importantes. De repente percebia um furo bem visível em seu manto... Envergonhado, não sabia o que fazer para escondê-lo. Embora fosse rei e tudo pudesse, aquilo ele não podia. Isso no tempo em que todo mundo se envergonhava das coisas erradas, até os reis.

Ao longo da vida li outras cartilhas menos convencionais, com dizeres apenas sugestivos. Em uma delas encontrei “vovô viu a vergonha da vovó”. Em outra “sua mãe subiu no telhado...” E ainda “Prometheu cumpriu?”

Assim, venho pensando nas cartilhas que o governo tem lançado para que falemos sem ofender ninguém, proibindo certos termos há muito arraigados. E fico pensando, que fim terá Tia Anastácia*, pobre senhora “afro-descendente”?

E também: será que atos não ofendem ninguém “neste país”?

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Tia Anastácia: personagem do Sítio do Pica-pau, de Monteiro Lobato.