Muluh liga para contar um ‘caso’
Ainda dormia, quando o telefone me estremece. Num sobressalto, pulo e grito: “ Meu Deus! O que aconteceu? Por favor, fazei com que nada de grave tenha ocorrido, meu Deus!”
Pego o fone, meio tremendo. É Muluh! Mesmo antes de ouvir qualquer palavra, me dá um alívio egoísta.
“ Acordei vocês?” pergunta Muluh. ” Ai, me desculpa! Mas é que precisava descarregar meu espanto com alguém, e, como de costume,… Sabes aquela minha tia? A que é bem mais moça do que nós? A que é lindíssima e tem duas menininhas fofas. Claro que deves lembrar: estava, ano passado , em meu aniversário de casamento, acompanhada de seu marido horroroso, raquítico, careca, bem mais velho do que ela e que a chama de ‘minha adorada’, a todo instante. Lembras?”
Faço um ‘ãhã’ e Muluh, satisfeita com o reconhecimento dos personagens de sua história, continua:
“ Pois é! Imagina só, Dirce...Acho que o nome não combina com a sua beleza, mas meu outro avô –só o viste uma vez , quando fomos passar uns dias na fronteira—quis homenagear uma sua noiva que se afogara dois dias antes do casamento. Aliás, seria imensa a possibilidade de a coitadinha viver infeliz com ele, que cultivava mau humor e rabugice.
Então, Dirce passou dez anos de casada a receber flores, a cada mês, para marcar o dia de início do namoro, e lá se foram mais de 120 ramos sofisticados de rosas e cravos vermelhos. Minha mãe, que não gosta de receber flores, pois lembram cemitério, afirma que poderiam ter comprado uma casa com a grana desse mar de flores.
Na semana retrasada, completaram dez anos de casamento, tido como perfeito por muitos. Não sei, mas, para nós, tudo que é demais... Dirce repetia que seu marido havia caído do céu, pois Gerson—vê bem, Gerson Remi, nome com o qual se apresenta a todos, cai nele como luva—adivinhava seus sonhos de consumo. Recebia Jóias da Vivara e H.G.Stern, viagens para lugares exóticos (Tibet, Katmandu, Ilha da Páscoa, Taiti e por aí vai...), roupas da Daslu. Prometera que o próximo aniversário seria comemorado na melhor suite do Copacabana Palace! E Dirce toda boba...Era entediante ouvi-la repetir a, cada cinco minutos, ‘o bem’ para cá e ‘o bem’ para lá.
Há mais ou menos uma semana , na sexta-feira de madrugada , Gerson Remi foi ao Rio fechar ‘um negócio da China’—assim se referia a transações que renderiam , segundo GR, ‘uma grana preta’. Dirce despediu-se dele com lágrimas prematuras de saudade ainda não sentida, cumprimentando-o pelo terno Armani, beijando-o e chamando-o de ‘Meu lindo!’
Dirce foi com as meninas e suas babás passar o final de semana em Campos de Jordão. O motorista dirigia a potente Mercedes e as levava a restaurantes, lojas-conceito, parques.
Na segunda-feira, vida normal retomava rotinas de Dirce: hora marcada para botox básico na testa, uma ampola de sei-lá-o- quê ao redor da boca, laserzinho em manchas de sol e uma avaliação para a próxima lipinho. O dia transcorria entre triviais desse gênero.
Depois do jantar, para o qual recebera amigos (da onça, diria teu avô!), de Gerson Remi,com suas esposas, para acertarem detalhes de um cruzeiro no Oasis of the Seas, pelo Caribe. A novidade seria o navio: Caribe até já cansara!
Dirce passou pelas suítes das meninas, beijou-as, levemente, pois não queria despertá-las, e foi para a cama. Antes de dormir, abriu a uma revista, com fotos de celebridades da hora, e levou um susto: numa festa, em ilha tropical, um homem desengonçado, de sunga vermelha,do qual, jurava, reconhecia aquela berruga na barriga! Não dava para ver o rosto. Pegou a lupa que Gerson Remi usava para estudar sua coleção de selos e examinou berruga e barrigona. Assemelhavam-se muito com as de seu ‘bem’!
Primeiro ficou preocupada e olhou e examinou foto e barriga e berruga. Aquela moça , tipo Amy Winehouse, em minúsculo biquíni, agarrada aos cabelos do peito do homem de sunga vermelha e berrugona na barriga saliente, não a interessou porque , decididamente, o seu ‘bem’, Gerson Remi, sabia melhor como investir seu tempo: GR era símbolo do executivo que só trabalhava, visando a garantir o conforto e o futuro de sua família.
Além disso, seu bom gosto jamais lhe permitiria aquela sunga e exposição de barriga e berruga, sem mencionar a moça sem graça, quase a degolá-lo. Ainda havia as palmeiras, areia e mar que GR, jurava ela, odiava! GR preferia as delícias da serra! E concluía que estava sendo uma perfeita idiota ao cogitar que ‘o bem’ tivesse estômago para uma sunguinha, e vermelha, numa festa e, topo do sundae, naquela ilha!!!
Dirce acordou com o toque insistente da campainha. Silêncio. Espreguiçou-se, mas virou para o outro lado para curtir uma espreguiçadinha tranquila. Alguém bateu à porta de seu quarto—cem metros quadrados de puro $$$—e a chamou. Dirce reconheceu a voz de sua governanta e falou que entrasse.
A mulher mexia e remexia seu avental e parecia tremer. ‘O que houve?’ perguntou Dirce. Sua governanta começou a chorar e tentava falar:
‘Dona Dirce, é melhor a senhora descer porque tem um homem, no hall de entrada, que precisa perguntar umas coisas a senhora.’
Tia Dirce vestiu o abrigo de ginástica e foi calçando as sapatilhas enquanto descia a escadaria.
O tal homem parecia um policial. Aí é que, realmente, ficou com medo. O policial cumprimentou-a e perguntou:
’Seu nome é Dirce dos Anjos Madeira?’ Tia Dirce fez que sim, com a cabeça. ‘Seu marido era Gerson Remi Madeira?’
“Ih, Ilram, é minha mãe no celular! Deve ser coisa urgente a respeito de Dirce! Ligo logo para te contar, juro! Tchau!”
Muluh ainda não ligou de volta. Acho que o tal Gerson Remi já era! O que aconteceu?
Ainda dormia, quando o telefone me estremece. Num sobressalto, pulo e grito: “ Meu Deus! O que aconteceu? Por favor, fazei com que nada de grave tenha ocorrido, meu Deus!”
Pego o fone, meio tremendo. É Muluh! Mesmo antes de ouvir qualquer palavra, me dá um alívio egoísta.
“ Acordei vocês?” pergunta Muluh. ” Ai, me desculpa! Mas é que precisava descarregar meu espanto com alguém, e, como de costume,… Sabes aquela minha tia? A que é bem mais moça do que nós? A que é lindíssima e tem duas menininhas fofas. Claro que deves lembrar: estava, ano passado , em meu aniversário de casamento, acompanhada de seu marido horroroso, raquítico, careca, bem mais velho do que ela e que a chama de ‘minha adorada’, a todo instante. Lembras?”
Faço um ‘ãhã’ e Muluh, satisfeita com o reconhecimento dos personagens de sua história, continua:
“ Pois é! Imagina só, Dirce...Acho que o nome não combina com a sua beleza, mas meu outro avô –só o viste uma vez , quando fomos passar uns dias na fronteira—quis homenagear uma sua noiva que se afogara dois dias antes do casamento. Aliás, seria imensa a possibilidade de a coitadinha viver infeliz com ele, que cultivava mau humor e rabugice.
Então, Dirce passou dez anos de casada a receber flores, a cada mês, para marcar o dia de início do namoro, e lá se foram mais de 120 ramos sofisticados de rosas e cravos vermelhos. Minha mãe, que não gosta de receber flores, pois lembram cemitério, afirma que poderiam ter comprado uma casa com a grana desse mar de flores.
Na semana retrasada, completaram dez anos de casamento, tido como perfeito por muitos. Não sei, mas, para nós, tudo que é demais... Dirce repetia que seu marido havia caído do céu, pois Gerson—vê bem, Gerson Remi, nome com o qual se apresenta a todos, cai nele como luva—adivinhava seus sonhos de consumo. Recebia Jóias da Vivara e H.G.Stern, viagens para lugares exóticos (Tibet, Katmandu, Ilha da Páscoa, Taiti e por aí vai...), roupas da Daslu. Prometera que o próximo aniversário seria comemorado na melhor suite do Copacabana Palace! E Dirce toda boba...Era entediante ouvi-la repetir a, cada cinco minutos, ‘o bem’ para cá e ‘o bem’ para lá.
Há mais ou menos uma semana , na sexta-feira de madrugada , Gerson Remi foi ao Rio fechar ‘um negócio da China’—assim se referia a transações que renderiam , segundo GR, ‘uma grana preta’. Dirce despediu-se dele com lágrimas prematuras de saudade ainda não sentida, cumprimentando-o pelo terno Armani, beijando-o e chamando-o de ‘Meu lindo!’
Dirce foi com as meninas e suas babás passar o final de semana em Campos de Jordão. O motorista dirigia a potente Mercedes e as levava a restaurantes, lojas-conceito, parques.
Na segunda-feira, vida normal retomava rotinas de Dirce: hora marcada para botox básico na testa, uma ampola de sei-lá-o- quê ao redor da boca, laserzinho em manchas de sol e uma avaliação para a próxima lipinho. O dia transcorria entre triviais desse gênero.
Depois do jantar, para o qual recebera amigos (da onça, diria teu avô!), de Gerson Remi,com suas esposas, para acertarem detalhes de um cruzeiro no Oasis of the Seas, pelo Caribe. A novidade seria o navio: Caribe até já cansara!
Dirce passou pelas suítes das meninas, beijou-as, levemente, pois não queria despertá-las, e foi para a cama. Antes de dormir, abriu a uma revista, com fotos de celebridades da hora, e levou um susto: numa festa, em ilha tropical, um homem desengonçado, de sunga vermelha,do qual, jurava, reconhecia aquela berruga na barriga! Não dava para ver o rosto. Pegou a lupa que Gerson Remi usava para estudar sua coleção de selos e examinou berruga e barrigona. Assemelhavam-se muito com as de seu ‘bem’!
Primeiro ficou preocupada e olhou e examinou foto e barriga e berruga. Aquela moça , tipo Amy Winehouse, em minúsculo biquíni, agarrada aos cabelos do peito do homem de sunga vermelha e berrugona na barriga saliente, não a interessou porque , decididamente, o seu ‘bem’, Gerson Remi, sabia melhor como investir seu tempo: GR era símbolo do executivo que só trabalhava, visando a garantir o conforto e o futuro de sua família.
Além disso, seu bom gosto jamais lhe permitiria aquela sunga e exposição de barriga e berruga, sem mencionar a moça sem graça, quase a degolá-lo. Ainda havia as palmeiras, areia e mar que GR, jurava ela, odiava! GR preferia as delícias da serra! E concluía que estava sendo uma perfeita idiota ao cogitar que ‘o bem’ tivesse estômago para uma sunguinha, e vermelha, numa festa e, topo do sundae, naquela ilha!!!
Dirce acordou com o toque insistente da campainha. Silêncio. Espreguiçou-se, mas virou para o outro lado para curtir uma espreguiçadinha tranquila. Alguém bateu à porta de seu quarto—cem metros quadrados de puro $$$—e a chamou. Dirce reconheceu a voz de sua governanta e falou que entrasse.
A mulher mexia e remexia seu avental e parecia tremer. ‘O que houve?’ perguntou Dirce. Sua governanta começou a chorar e tentava falar:
‘Dona Dirce, é melhor a senhora descer porque tem um homem, no hall de entrada, que precisa perguntar umas coisas a senhora.’
Tia Dirce vestiu o abrigo de ginástica e foi calçando as sapatilhas enquanto descia a escadaria.
O tal homem parecia um policial. Aí é que, realmente, ficou com medo. O policial cumprimentou-a e perguntou:
’Seu nome é Dirce dos Anjos Madeira?’ Tia Dirce fez que sim, com a cabeça. ‘Seu marido era Gerson Remi Madeira?’
“Ih, Ilram, é minha mãe no celular! Deve ser coisa urgente a respeito de Dirce! Ligo logo para te contar, juro! Tchau!”
Muluh ainda não ligou de volta. Acho que o tal Gerson Remi já era! O que aconteceu?