João contra o Dragão do Preconceito ( Dia Mundial do Combate a Aids)
João nos convidou para um almoço em sua residência. Fomos eu, Dênis, Valéria, Robson e a fome do mundo todo. Todos nós trabalhavámos juntos no MacDonalds naqueles meados dos anos 90. Eu gostava da Valéria, faria qualquer coisa por ela, até mesmo, ir almoçar na casa do João, um sujeito que eu não gostava não.
João era nosso grente, mas era gay, e eu defendia que todos os homessexuais fossem transformados em homens pela força, pela fé, pelo que quer que fosse que os fizesse ser normais. Eu tinha apenas 16 anos, e toda uma educação machista, ignorante e fechada da vida. Posso culpar o meu pai, mas quem carregava o preconceito era eu.
Entrei em sua casa, e enquanto ele cozinhava para nós, ficamos eu, Robson e Dênis fazendo piadas pelos cantos; até que a Valéria percebendo as brincadeiras de mal-gosto, nos olhou meio torto e voltamos a nos comportar, porém, além do olhar da Valéria, comecei a perceber em mim, que aquele preconceito todo vinha não porque João gostava de homens, mas porque ele era diferente de nós todos.
O diferente me assustava. Assusta a todos!
Era mais fácil criticar do que aceitar que se algo está lá, é porque tem os seus motivos para existir. E o que o João fazia na cama nada tinha a ver comigo, com ninguém, ou com o meu preconceito.
O almoço foi servido. João fez tudo o que pode para nos fazer sentir bem-vindos. Não sei se ele desconfiava que aquele bando de adolescentes estava fazendo do seu ato de servir, pouco; mas ele nos acolheu como se fossemos parte da família, amigos de verdade e não um bando de meninos imaturos.
O que o João não sabia, era que naquele dia, ele havia servido junto com o almoço, algo a mais do que pão e vinho; ele nos serviu respeito.
Quanto o assunto é a homossexualidade, muitos falam de tolerância, poucos falam de respeito. Tolerar é apenas engolir o preconceito, respeitar é aceitar que o outro tem o seu direito de ser, independentemente do que queremos que ele venha a ter.
Depois do almoço, João nos mostrou as fotos da sua viagem, do seu namorado e compartilhou conosco a sua vida. Olhei para o Dênis, para o Robson, e depois daquela tão agradável acolhida, as piadas definitivamente perderam as graças.
Nunca mais consegui ter preconceito. Anos depois, descobri através de uma revista semanal, que o João foi uma das primeiras pessoas a assumir em São Paulo que tinha AIDS ( num tempo em que a doença era ainda escondida e abafada) e um dos primeiros a tomar o coquetel que o ajudou a resistir por 19 anos essa doença tão implacável. João faleceu recentemente, o que ele me ensinou ficará comigo para sempre.
Notas do Autor: hoje é o Dia Mundial da Luta Contra a Aids.
Participe dessa campanha e cure o seu preconceito.
http://www.aids.gov.br