Crônica dos rituais

Ao olhar a história da humanidade sempre imaginei que o mundo, ao seguir adiante, iria sempre deixar de lado as superstições e rituais para no lugar incorporar mais praticidade e racionalidade em nossas vidas, ou seja de um mundo cheio de rituais a serem cumpridos para qualquer coisa a ser feita avançaríamos à um mundo mais pragmático. Para isso contribuíram em muito as invenções, tais como o telefone, o computador entre outras mais.

Voltemos então no tempo, que tal analisarmos o povo celta, distante de nos tanto no tempo quanto no espaço. Para garantirem um boa colheita e que nada os atrapalhasse os antigos celtas possuíam seus próprios rituais. Liberemos nossa imaginação, podemos facilmente imaginar um jovem trabalhador do campo celta, ruivo por natureza e de nome Seamus, carregando um cesta com visco enquanto sua mulher, ruiva também e de nome Ceinwin, carregava azevinho, o casal dirige-se a uma colina onde os sábios druidas vão ajudar a todos executando o ritual da colheita.

A meia noite o ritual começa e muitos cânticos e danças são executados através da madrugada até ao raiar do dia, no momento em que as trevas enfrentam a luz, todos se despem mulheres esfregam azevinho nos homens, homens esfregam visco nas mulheres, a fertilidade da terra e o trabalho da colheita esta garantido graças a este ritual.

Meus contemporâneos dirão ‘Mas que coisa mais sem sentindo, sem qualquer fundamento isso. Bastava plantar e colher. A terra é a terra, e todo esse ritual dava muito trabalho.’.

Grande mentecapto aquele que pensa isso, contarei então algo que ocorreu comigo nobre leitor.

Adquiri um notebook, ou laptop para os que preferem assim, esperei a entrega e regozijei-me quando o aparelho chegou em casa com um dia de antecedência do prazo marcado. Sendo escritor fica claro que no mundo atual a terra onde planto minha semente nada mais é que meu editor de texto que por sua vez está inserido em um computador. Ótimo, terra nova sementes novas, sentei-me na cozinha de casa pelo simples prazer de escrever em um local diferente, abro meu editor e tudo trava, teclado sem resposta, ctrl+alt+Del também sem resposta, última solução válida: meter o dedo no botão de ligar e desligar o aparelho. Pronto o computador liga de novo, de repente tela azul e ele reinicia, volta a carregar e reinicia novamente e assim, cabe aqui gastar um termo de TI, em um loop infinito fica reiniciando.

Pego o telefone, outra maravilha da racionalidade atual que os celtas não tinham, e ligo para o 0800 contido na nota fiscal. Uma gravação com uma voz feminina sensual e mecânica começa “tecle 1 se você é uma pessoa fisica”, teclo 1 e novamente a voz, “se seu aparelho é um notebook tecle 1”, novamente aperto 1, então ela começa a falar “Se você possui um notebook XWQT tecle 1, se possui um XWTQ tecle 2, se possui um XWQT 0.1 tecle 3...” e assim numa lista que chega ao 9 “para falar com um atendente” aperto 9 e ouço “Aguarde” seguida de uma musica relaxante, 8 minutos se passam e uma atendente começa a falar comigo. Explico meu problema a ela, ela pede uns 5 números contidos na parte inferior do meu aparelho, mas o número da nota fiscal mais meu nome, CPF, RG para finalmente me passar o número da assistência técnica mais próxima. Que no caso fica a 80km da minha cidade. Segundo passo, ligo para a assistência técnica, novamente me pedem todos os dados meus e do aparelho, que por sinal possui mais números de identificação que eu. Fica então agendado que um técnico virá a minha casa em 48 horas.

96 horas depois, tendo o técnico não comparecido em minha residência ligo novamente para a assistência técnica que pede desculpas e diz que preciso ligar no 0800 e coletar outro numero de protocolo. Passo por todos os tramites do 0800 adquiro o número ligo na assistência técnica e novamente passo todos meus dados e de meu adorável notebook. A moça da assistência técnica me diz que serei atendido em caráter de urgência e que em 48 horas o técnico virá em minha casa.

96 horas se passam e ainda não conheci técnico nenhum, percebo então a sacada do nosso mundo moderno, não somos pragmáticos somos tão ritualísticos quanto os antigos povos. A grande diferença é que Cernudos e a Deusa Nua da Lua Branca dos Celtas os atendiam em seus rituais da colheita.

Luís Figueiredo
Enviado por Luís Figueiredo em 01/12/2009
Código do texto: T1953755
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