É preciso paixão
“Sei lá... só sei que é preciso paixão”. (Tom Jobim)
Meu propósito como ativista cultural é ser simplesmente um facilitador. Gosto de abrir caminhos, estabelecer com meu trabalho possibilidades de outras pessoas brilharem, mostrarem seus trabalhos. Assim é que fundei associações culturais, jornais, teatros, rádios comunitárias. Nessa vida repleta de contradições, entretanto, muitas vezes sou mal compreendido, não fui bem em alguns relacionamentos com certas pessoas em determinado tempo, cometi equívocos, incorri um pouco nos pecados da irresponsabilidade e desmazelo.
Esse depoimento vai a propósito do Ponto de Cultura que acabamos de fundar em Itabaiana, sob a chancela da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba, entidade que dirijo. A história é simples e a contabilidade idem. O projeto foi construído por mim, Marcos Veloso e Clévia Paz, em 2005. No dia 12 de setembro de 2007, o Ministério da Cultura enviou uma carta anunciando que finalmente o projeto “Cantiga de Ninar” foi selecionado para criação de um Ponto de Cultura. Só agora, em outubro de 2009, quatro anos após a feitura do projeto, o Governo Federal liberou a primeira parcela dos recursos, com 50% da verba carimbada para compra de equipamentos multimídia e o restante para pagamento de monitores e oficineiros, além de outras despesas de publicidade. Nossa contrapartida é de R$ 39 mil reais, sendo que não temos nem um centavo. Mas assumimos o compromisso de pagar aluguel de prédio, instalações, internet, edição de jornal, energia e todas as despesas de instalação, incluindo móveis e utensílios. Ainda achando pouco, o projeto prevê a instalação de biblioteca, teatro, cineclube e rádio on line, tudo fazendo parte de nossa contrapartida.
Além da defasagem monetária e técnica nesses quatro anos de espera, vem o natural desgaste das pessoas envolvidas que debulho aqui numa confissão mal escondida, revelação de uma certa amargura, um ressentimento por não ter o projeto aquele apoio institucional que esperávamos. Até alguns amigos mal informados, achando que estamos dormindo em cima de muita grana federal, ficaram aborrecidos porque não foram chamados para o “grande banquete”.
Não chamei ninguém para assumir, por exemplo, o aluguel do prédio e as despesas de pintura e retelhamento do espaço físico, que ficaram por nossa conta. Não me apareceu nenhum voluntário para pagar as altas multas da Receita Federal porque nossa documentação estava defasada. Nunca alguém me deu uma gota de gasolina para me deslocar durante quatro anos de João Pessoa a Itabaiana, para tratar do projeto e ensaiar o grupo teatral.
Mas agora convoco as pessoas de bem de Itabaiana para apoiar o Ponto de Cultura, que é da comunidade. Fazemos questão de transparência. Todos os meses, o demonstrativo financeiro estará no mural e na internet. Por enquanto, pedimos esmolas. Em outras palavras, estamos solicitando cadeiras, mesas, estantes, livros e armários para o Ponto de Cultura. Dia 12 de dezembro, vamos receber o Centro Cultural Piollin, de João Pessoa, para uma agitação cultural na cidade. Vamos precisar de lanche e jantar para 21 artistas que nos visitarão.
Não há nenhuma humilhação em se pedir para um equipamento público de difusão cultural. Haveria absurdo em procurar nas questiúnculas políticas a explicação para a omissão institucional. Mas certamente, para um sujeito se meter em tamanha aventura nesse mar de indiferença, é preciso paixão.