LA VIE EN ROSE
Há algum tempo atrás,tôdas as manhãs eu levava o meu filho à escola.No caminho de volta costumava chegar ao "Armazém do Seu Domingos",onde adquiria leite e pães.Havia uma justificativa para que eu seguisse religiosamente esta rotina.
Seu Domingos,era (acho que ainda o é) revendedor dos produtos de uma das mais antigas padarias Iratienses,que até bem pouco tempo utilizava-se ainda dos antigos fornos à lenha para assar os pães.Nem preciso comentar sôbre a delícia que resultava.Êsse relato serve tão somente para "encher a bola do seu Domingos",na verdade não é exatamente o assunto sôbre o qual resolvi falar hoje.O que vem na sequência é o que realmente interessa:
Proximo à escola de meu filho e o Armazem de seu Domingos,existe uma empreza de porte médio à grande,filial de uma indústria francesa,Grande parte de seus executivos e ocupantes de outros cargos vieram da França.Um dêles,o que me inspirou êste relato,era um senhor idoso,alto,calvo,avantajado em medidas (leia-se gordo) a quem seu Domingos,com a sua lábia,havia conquistado como freguês.
Chegávamos exatamente no mesmo horário mas em sentidos inversos.Êle,subindo,ia para a empreza.Eu,descendo,voltava pra casa.O francês estacionava do outro lado da rua,proximo aos cipestres.Saía calmamente de seu carrão,sempre assobiando.Na maioria das vezes a canção era "La vie en rose".Cruzava a rua sem movimento com a serenidade,a placidez daquêles que além de muita grana,têm a vida resolvida em todos os seus aspectos.Algumas vezes costumava proferir um sonoro "Bon Jour" aos fregueses,que meio espantados,não sabiam o que responder.
O "gracioso" dava um sorriso largo e entoava um Bom dia,ao que era amplamente correspondido.Seu Domingos,então,sorvia o seu café de caneca (com leite de cabra como costumava gabar-se),com o esmêro de quem sabia cativar o cliente deitado sôbre dólares e euros.Aquela tranquilidade,aquêle assobio...Tornaram-se marcas registradas e assim incorporadas à nossa rotina do dia a dia.Eu,que sempre gostei de música francesa,acrescentei a partir daí em meu repertório "assobioso" os acordes magnificos de "La vie en rose".
Manhã de um dia qualquer,quase meio dia...Retornando para casa no sentido centro/bairro,dou uma parada a um supermercado a fim de adquirir o que me haviam solicitado:
1 quilo de "patinho" moído,para uma determinada receita.Prontamente atendido,o supermercado quase vazio àquela hora,vou dando umas circuladas entre frutas,iogurtes e outras amenidades lacteas...O ambiente é propício e me estimula...Começo a assobiar "La vie en rose",num tom bem moderado que é pra ser discreto e não chamar muito à atenção.Vou ganhando espaços entre as gôndolas...A canção me leva em pensamentos,sinto-me então,o executivo francês das manhãs..."Bon jour Monsieur Domingôs"!...Ouço o barulho do gogó do "Domingôs" sorvendo a mistura de café com leite de cabra,visualizo a sua cabeçinha cobiçadora dos euros,enfim...Um pouco mais distante,vislumbro a Torre Eifel,o Arco do Triunfo,penetro na história e vejo guilhotinas,Robespierre,etc...Continuo minha caminhada pelo estabelecimento ao som da canção francesa caprichada no biquinho necessário a um bom assobiador.
Pelos caixas,alguns olhares estranhos,aos quais credito o entusiasmo que a melodia está causando.Passo pela portaria e vou me dirigindo à porta principal.De quando em quando dou uma balançadinha no pacote plástico com a carne moída,bem ao estilo daquelas "viradinhas de bolsas" tão peculiares nas esquinas.
Quando estou quase saíndo,ainda aos acordes da melodia,sou tocado por mãos femininas e uma voz delicada fala-me ao ouvido:
_ O senhor não acharia melhor passar primeiramente por um de nossos caixas e pagar por esta carne?
Nêsse instante,reconheço-me "Maísa";
_"Meu mundo caiu!..." Que mico!...Bem mais que isso:"Que vergonha!"
Tento explicar-me por diversas vezes,falo de minha distração,porém,aquêle olhar da gerência:educado,compreensível,maaasss....Desconfiado!,me deixava sem chão.A impressão que sentia era de que aquela canção,assobiada,fazia parte de um disfarçe para o mau caratismo que eu estava usando e saíndo à francesa.
Resumindo:Paguei o (mico) que devia,desculpei-me uma vez mais e tomei o caminho de casa.
O tempo correu,meu filho passou a estudar em outra escola e nunca mais me deparei com o francês assobiador.O pão que hoje consumo,provèm da Panificadora "Glória" a mais proxima de minha casa.