"E agora, José"?

José Bento, ou Zé, como era mais conhecido, nunca teve vida fácil. Ainda garoto, perdeu o pai num acidente em uma carvoeira. Era o mais velho dos seis irmãos. Teve que enfrentar as dificuldades de uma vida pobre para ajudar a mãe a cuidar do resto da família.

Zé não tinha medo de trabalho: engraxava, vendia picolé, buscava lenha para vender, ajudava a transportar as enormes malas de roupa que a mãe lavava para as pessoas mais abastadas da pequena cidade.

O tempo passou. A vida foi tomando seu curso. Os irmãos cresceram, cada um buscou o próprio destino, a mãe doente não resistiu aos males de um reumatismo e se foi. Restou José Bento na taperinha da família.

Aos 18 anos o rapaz ingressou na siderúrgica que se instalara na cidade. Ali conheceu Claudemira, a Mira da cozinha, moça humilde e retraída, de quem logo se enamorou. Foi amor de verdade, também por parte dela.

Veio o casamento, nasceram os dois filhos. À custa de muita labuta, muito sacrifício, a vida foi melhorando aos pouquinhos. O salário no fim do mês saudava as dívidas modestas e os “bicos”dos fins de semana iam para uma poupança. A casa foi reformada, os móveis foram trocados. Tinham já até alguns luxos que jamais poderiam imaginar: TV a cores, DVD, aparelho de som, parabólica, essas coisinhas que fazem o sonho de consumo de todo trabalhador assalariado.

Janeiro do ano de 2009, Zé acordou com um vazio esquisito. Antes de sair para o trabalho olhou-se no espelho do corredor. Levou um susto com a própria imagem. Estava grisalho, o rosto marcado por sulcos que teimavam em dar-lhe uma aparência envelhecida. Seguiu para o ponto do ônibus, com aquela sensação ruim lhe corroendo o peito. Pelo trajeto ia pensando nos filhos já homens feitos, a mulher que também já não era a mesma: o tempo tinha passado depressa para todos eles.

Zé pensou na aposentadoria. Um frio rápido e fino perpassou-lhe pelo estômago. Ia trabalhar apenas mais uma semana. Depois, era só o merecido descanso após tantos anos de luta. Tinha já contribuído com sua parte para o enriquecimento da pátria e a grandeza da sociedade. Não devia nada a ninguém como cidadão trabalhador. Enfim, teria pela frente, dias longos e sem horários para experimentar o que é a vida de quem não tem o que fazer.

À medida que a semana passava, Zé ia sentido dentro de si, uma coisa estranha. Será que iria se acostumar a não sair cedo de casa, tomar o ônibus, sentar com os amigos na hora do almoço, rir de coisa que nem graça tinha, saber das coisas que estavam acontecendo no mundo? Como iria se arranjar, o dia inteiro, andando de um lado para o outro dentro de casa, sem ter aonde ir?

Na sexta-feira, o pessoal do escritório o chamou para conversar. Fizeram-lhe proposta para continuar a trabalhar, mesmo depois de aposentado. Ele era um funcionário exemplar, ia fazer muita falta na empresa. Se quisesse, o emprego era dele... “E agora, José?”, pensou cheio de dúvida. Mas, foi categórico ao responder:

_ Não, estou velho! É hora de “puxar o carro”. Dou conta de mais nada, não.

Porém, naquela noite ele voltou para casa menos feliz do que queria. Olhou-se no espelho para confirmar a imagem do homem cansado que iria ver. Murmurou baixinho para se convencer:

_ É, estou velho, mesmo. Não há mais lugar para mim...

Foi para a sala onde a mulher via televisão. Sentou-se, em silêncio, ao lado dela. E foi naquele momento que a tela mostrou uma grande festa, que acontecia pra lá do mar, lá nas lonjuras de outro país. Um homem falava brilhantemente ao microfone encantando uma multidão que reunia gente do mundo inteiro e o aplaudia eufórica: era a posse do novo presidente eleito dos Estados Unidos.

Zé olhou aquele homem e prestou atenção ao que a reportagem falava sobre ele. Ficou assustado pensando no peso da tarefa que ele tinha pela frente. Observou seus cabelos já meio grisalhos e admirou sua coragem: ele não era mais nenhum garoto, no entanto a missão mais difícil de sua vida estava só começando naquele dia.

José Bento sentiu um lampejo repentino de força dentro de si. Era como se algo clareasse dentro dele: não, não era hora de parar ainda. A vida ainda tinha muito para oferecer-lhe e ele ainda tinha muito que fazer. Segurou a mão de Mira e avisou:

_ Minha roupa de serviço tá pronta? Amanhã eu volto para o trabalho...

MARINA ALVES
Enviado por MARINA ALVES em 29/11/2009
Reeditado em 29/11/2009
Código do texto: T1950990
Classificação de conteúdo: seguro