A omelete



Fui à geladeira onde peguei três ovos. O ovo é um alimento que já vem ao mundo devidamente embalado. A textura e consistência de sua casca têm um quê da graça, delicadeza e sensibilidade da alma humana. É consistente o suficiente para se portar com pose de invulnerabilidade, porém rompe-se com o mais inocente esbarrão. E não há espírito que deixe de resguardar uma clara esperança de que nunca haja dor pela qual gema.

Inevitável, contudo, que os frágeis invólucros brancos tivessem de ser rompidos e, assim, seu conteúdo foi despejado num recipiente qualquer. Antes de acrescentar algumas pitadas de sal, por instantes, fiquei assistindo os indefesos núcleos amarelos boiando naquele fluído opaco e viscoso. A isso acrescentei alho, cebola, salsa, pimenta, queijo ralado e cubos de bacon. O paladar é um viciado incorrigível que faz de tudo para entregar-se a substâncias que o excitem.

Com um garfo bati, remexi e revirei tudo aquilo até que se convertesse numa gosma cujos componentes, já então amalgamados, tornaram-se indissociáveis. Todavia, nesse estado de crueza, tal poção seria intragável. Era preciso que passasse pelo ritual do fogo, não para queimar impurezas, mas para que o calor de óleo fervente a transmutasse. Poderosa é a magia alquímica que torna qualquer fritura numa tentação perniciosa e, ao mesmo tempo, irresistível.

No mais, bastava apenas deixar que a frigideira fizesse o resto, obviamente com o pequeno auxílio de uma escumadeira, de cujo manejo não sou dos mais habilidosos. Aliás, por uma outra inabilidade também sempre contive o atrevimento de lançar tudo ao ar para expor o reverso de preparo à chapa quente. Isso foi feito com uma cuidadosa transposição por meio de um prato, evitando que o resultado em si se partisse ou, pior, se espatifasse pelo fogão, pelo chão e, quiçá, por minha própria cabeça.

Enfim, eis que tudo ficou pronto e a obra final então se expôs lindamente dourada e sedutoramente olorosa, levando o apetite ao nível máximo de expectativa pela antecipação do prazer de satisfazer a gula.

Antes da primeira garfada, entretanto, dei-me ao luxo de ainda filosofar. É difícil crer que, de fato, o homem traga alguma semelhança por espelhar seu Criador. Certamente, no ovo Deus depositou sua intenção de uma nova galinha para perpetuar sua espécie no conjunto da criação universal. Um ser humano não hesita em espatifar, corromper e imolar algo tão sublime pelo duvidoso e egoísta objetivo de desfrutar de alguma satisfação por meros instantes.

E daí?! A omelete ficou uma delícia!

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