SURRA DE PIRAÍ

Essa criançada de hoje jamais saberá (graças a Deus) o quanto dói, no lombo, uma sova de “Piraí”, um chicote com cabo de madeira e duas tiras de couro cru.

Hoje os métodos de educação são outros, modernos, na base da psicanálise e da boa conversa. No meu tempo de garoto peralta, não! Era pão, pão, queijo, queijo!

“- Menino, não meta a mão nas panelas. Não faça isso, não faça aquilo!”

Você que caísse na asneira de desobedecer, pra ver o que lhe acontecia. O castigo vinha a cavalo, de galope. E, não raro, na base do sopapo.

Não quero entrar no mérito da questão, mas acho que o sistema da minha época era bem mais convincente. Eu e os meus nove irmãos sabemos disso.

Eu era um garoto travesso por demais, apesar de muito responsável desde a mais tenra idade. Sempre cumpridor dos meus deveres e obrigações, atencioso com as pessoas mais velhas, respeitador, mas levado da breca. Não deixava passar uma boa oportunidade para curtir, com os meus amigos, uma boa traquinada.

Andava sempre com um bodoque (estilingue) no bolso traseiro da calça de brim, algumas pedrinhas disponíveis, e atirava à primeira provocação ou necessidade. E era dono de uma pontaria invejável. As rolinhas, os pardais, calangos e pequenos bichos do mato sucumbiam sempre às pedradas certeiras disparadas do meu bodoque.

Brigão, encarava os moleques da rua, conhecidos ou não, da minha idade e até maiores do que eu, com uma coragem de Davi enfrentando Golias. Trago no corpo algumas cicatrizes, testemunhas mudas dessa época de violência e ternura, agitação e romantismo.

Certa feita, atraquei-me com um tal de Ivan, um mau caráter, filho do dono da funilaria do bairro, porquê ele maltratou um menino dos seus dez anos, chutando-lhe o traseiro e dando boas risadas junto à cambada de marmanjos, conhecidos e amigos do seu pai, que apreciavam a cena.

Eu ia passando pra fazer um mandado da minha mãe, não me contive e tomei as dores do pequenino. Daí a pouco estava embolado com o Ivan, rolando no chão, dando e levando porrada, sob os apupos da malta de adultos, até que uma boa alma chegou e nos separou, puxando cada qual pro seu lado e encerrando, com firmeza, o pugilato gratuito.

Em outra ocasião, destemperei-me com o mano Aécio, o segundo da penca de nove irmãos, e partimos para a ignorância na base dos bofetes e pontapés.

Minha mãe chegou com o famigerado chicote, o “Piraí”, distribuindo chibatada pra todo o lado, esquentando o lombo dos irmãos arrelientos, de modo a deixar o exemplo pra cambada menor, a fim de que não se animasse às mesmas demonstrações de desforço físico.

Depois, juntou-nos de costas um para o outro e nos amarrou dos ombros às canelas, largando-nos de pé no quintal, à sombra das bananeiras salientes.

Adentrou a casa, “Piraí” debaixo do braço, e foi lidar com as panelas chiando no seu fogão, pois a hora do almoço chegava rápida e logo, logo o apito da fábrica tocaria, sinal de que o Velho Rêgo já vinha para a refeição do meio-dia.

As lágrimas do choro, tanto da briga quanto da surra de chicote, nem bem haviam secado nos rostos empoeirados, quando eu e o mano novamente iniciamos discussão, troca de insultos e agora cabeçadas e golpes aplicados com os calcanhares (únicas partes do corpo livres), ao que nos desequilibramos e caímos amarrados aos pés das bananeiras.

Dona Flaviana saiu lá da sua cozinha, “Piraí” em punho outra vez, e exemplou-nos para o resto da tarde e das nossas vidas. Pugilato entre irmãos, nunca mais! ...

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 11/07/97

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 29/11/2009
Reeditado em 29/11/2009
Código do texto: T1949990
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