UM BLOG PORTUGUÊS EM FLORIPA
  A LÍNGUA DO PATRÃO
 
E O MISTÉRIO DE UMA PALAVRA EM MINHA VIDA





 Cliquei em Escrivaninha e fui parar num blog qualquer.  Comecei a ler por alto e não havendo indício de cidade ou país, pensei se tratar de um dos inúmeros blogs de portugueses existentes por essa internet. Pois a linguagem, a sintaxe, certos termos e o uso da segunda pessoa me apontavam tal direção. Mas insisti em ver melhor e fiquei pasma ao descobrir que se tratava de publicações de um grupo de professoras de uma cidade com um nome do tipo São João da Beira, ou outro santo qualquer, num ponto remoto da ilha de Floripa. Há ainda vários locais do litoral catarinense aonde o falar dos nativos guarda formas e entonações dos falares lusos. O nosso português neste país é na verdade um balaio de formas e variáveis da língua original. Mesmo o chamado português padrão e conservado pela rigidez da escrita já sofreu muitas mudanças através dos tempos. Dessa forma, o que foi errado um dia, agora é certo, mesmo nos dicionários. Somos menos conservadores por exemplo que os franceses, cujo AU é pronunciado O há dezenas de anos e no entanto a escrita se conserva por gosto e decisão do conservadorismo de lá. Esta tendência também existe no português o que fez, por exemplo,  AURUM virar OURO e na fala pra valer é ORO mesmo.

  No Brasil, a forma de avaliar os falantes chamados cultos é pela escolaridade estando nesta categoria os que possuem curso superior, uns pouco mais de dez por cento do povo todo. Na Inglaterra a divisão é feita por outro critério, uma vez que o nível de escolaridade é melhor. Dessa forma há três categorias de falante inglês, o do povo trabalhador, o da classe média e o da classe alta, ao qual se referem como  "o inglês da Rainha". Percebe-se aí que a chamada língua padrão é mesmo a língua do patrão que determina que quem não falar assim é ignorante, incapaz, beócio e tantos outros adjetivos depreciadores. Ocorre que a fala é dinâmica, sofre influências variadas como também pode conservar formas chamadas arcaicas em locais mais isolados. Falando em arcaico, se portugueses de Portugal acham que estamos a falar errado usando aquele A diante de verbos como ALEVANTA, esquecem dos versos de Camões nos idos de 1500. O que se pode afirmar de tudo isso é que não existe uma língua estática, e mesmo esta que escrevemos e tem normas rígidas não representa na verdade a língua falada, mesmo a culta. Ninguém fala do jeito que escreve.   Há formas restritas exlcusivamente à escrita a qual possui características específicas de acordo com a área do conhecimento que vai representar, bem como temos a escrita literária com a incidência forte de linguagem conotativa.

Dar condições a que mais gente tenha acesso à lingua do patrão ainda é um desafio neste país de analfabetos. Não se trata de desprestigiar os falares que são a língua viva em andamento, são formas coloridas, expressivas e refletem tendências existentes em outras línguas latinas, mas de permitir que mais pessoas tenham acesso ao grupo dos eleitos para poderem usufruir do conhecimento, instrução formal e todos os benefícios daí advindos. E quem usar o seu potencial intelectual adquirido por situação privilegiada para desmerecer pessoas mais humildes pela sua forma de falar, age de forma mesquinha e prepotente revelando-se um ser humano deplorável, além de mostrar uma ignorância completa sobre os mecanismos que produzem as transformações  vistas como erros. Pois se o iletrado fala por exemplo PERSO , referindo-se à pêssego, ele está usando uma forma mais próxima da original latina, PERSICUS, simplificação de "fructus persicus".   Entretanto todos sabemos que ditar as normas linguísticas oficiais é o tal " falar o inglês da Rainha". E que, infelizmente,   há uma camada da população neste país que é preconceituosa o suficiente para não desejar ver o filho da empregada doméstica, o jovem favelado ou qualquer um que não seja um "igual", ter oportunidades de se tornar uma pessoa melhor situada na vida, que dirá alcançar posição de destaque nacional.  Aos pobres a esmola, as campanhas de bondade alardeadas,  a repressão policial, enquanto reluzem os nomes na lista dos caridosos na crônica social.  Isto faz o gosto de uma pretensa elite branca decadente que cumpre certos rituais de benemerença que na verdade são formas de mostrar quem é que pode e manda  e quem tem que obedecer e  agradecer por tão abnegados gestos. 

Neste intricado cenário sócio-cultural pode-se afirmar, com certeza, que não existe um só português não padrão, mas uma variedade incrivelmente rica de falares e que na verdade cada pessoa é única na sua forma de uso da
linguagem, um idioleto em contraposição ao  dialeto do grupo no qual está inserida. 

 Existe uma palavra que  ouvia quando criança e dita por minha mãe contando sobre a fala de pessoas de origem diversa da nossa de  colonização  alemã.   Já adulta, certo dia um rapaz veio cortar a grama e querendo que eu jogasse pra ele o fio que retirei da tomada pronunciou para   o meu espanto a tal palavra.
  Novamente o total silêncio e vinte anos se passaram até que, há poucos dias,  uma moça de  Vacaria, região serrana,  como num passe de mágica,  pronunciou novamente  a misteriosa palavra. Foi pra minha filha , a qual tendo ouvido eu contar várias vezes a história veio me dizer radiante: mãe, a minha colega, a Daniela, usou aquela palavra! Ela pediu pra eu jogar um travesseiro pra ela dizendo: PINCHA, pode PINCHÁ!  Mas desta vez o milagre da tecnologia veio com seu holofote e iluminou as profundezas do mistério e em poucos segundos ela apareceu  escrita na pesquisa ao Google
 e sendo  definida  como  de  origem espanhola. Na verdade fiquei um pouco desenxabida como se algo me fora roubado. Aguardo entretanto o próximo falante, mas que não leve outros vinte anos...














 
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 28/11/2009
Reeditado em 14/12/2017
Código do texto: T1949267
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