Uma Grande Paixão
O Zé Amoroso é mesmo um apaixonado pelo futebol e, ao se fala em Copa do Mundo, é ai que vemos o seu grandioso amor pelo esporte preferido.
– Já vi todas as Copas do Mundo – dizia ele com um brado retumbante, ostentando uma flâmula auriverde e relutando em defesa do País que tem um sonho intenso e raios vívidos – ninguém ganha do Brasil (urrava batendo no peito).
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Foi com grande esforço que ele construiu sua casinha e nela instalou um boteco no cômodo da frente, de onde sempre sai um dinheirinho para auxiliar na sua minguada aposentadoria. Dona Maricota, que há mais de meio século é sua fiel companheira de vida e de labuta, compartilhava no atendimento aos seus clientes de bebedeiras.
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Estava tudo pronto para o início do grande jogo entre Brasil e Japão, e no bar de Zé Amoroso muitos torcedores vestidos a rigor, já bebiam cervejas e cachaças, e se aglomeravam frente a uma churrasqueira provisoriamente instalada na calçada e que fumegava nas tiras de lingüiça, pedaços de frango e espetos com carnes de costela, e tudo em torno de uma animada descontração.
– Escute aqui Seu Amoroso! – sentenciou um dos fregueses – Como é que nós vamos ver o jogo? Nesse seu radinho de pilha não dá! O senhor tem que providenciar urgentemente uma tevê. Afinal, nós merecemos. Se não tiver uma, nós vamos para outro boteco.
Percebendo que seus fregueses iam debandar, Seu Amoroso anunciou:
– Fiquem calmos! Agora mesmo vou trazer a tevê que está no meu quarto.
Mais que depressa ele subiu uma enorme escadaria, entrou no quarto e ouviu de sua esposa um relutante “não” acompanhado de um duro protesto:
– Como é que pode, homem? Você está doido? Levar nossa tevê pra bagunça? E se ela quebrar, aonde vou assistir a novela?
Sem dar muita importância aos falatórios da esposa ele foi retirando os fios e sorrindo de contentamento respondeu:
– Calma minha velha, a gente dá um jeito! Hoje, com os comes e bebes, nossos fregueses nos darão uma boa grana. Nós vamos lavar a jega, você verá!
– Deus te ouça!
– Ô mulher! Ajude-me a levantar: é pesada.
– Você é mesmo um doido! Veja só o tamanho dessa escada e me diga como vai desce-la com esse monstrengo na mão?
– Eu sou um homem ou sou um saco de batatas? – respondeu descontraindo a esposa enquanto atravessava a porta do quarto, ao tempo em que, no rádio, soava o Hino Nacional. – Me ajuda, mulher! Depressa! – dizia ele já no alto da escada – O jogo já está começando e o pessoal está me esperando. Rápido, me ajude!
Em meio àquela afobação, eis que surge o Valdelino, seu filho mais velho, que, ao ver seu pai no alto da escada, ralhou autoritário:
– Papai, o senhor está louco? Fique quieto. Não se mexa. Vou pegar essa tevê.
Subiu a escada correndo e tomou a tevê das mãos do ancião. Mas este, não se contendo, passou para o degrau de baixo e começou a descer de costas: protegendo o filho e a tevê. Mas, em certo momento, ele se enroscou no fio e despencou degraus abaixo, bateu a cabeça no chão e desmaiou.
Naquele exato momento o Brasil fazia um gol, e na rua uma explosão de regozijo, um descontrolado alvoroço de prazer: Brasil, Brasil, Brasil....
Dona Maricota, ao ver seu marido esticado no chão, entrou em pânico e saiu porta a fora gritando:
– Socorro, socorro, socorro.
Ninguém lhe dava importância, pois todos achavam que ela estava festejando o golaço do gorducho Ronaldo. Foi um Deus-nos-acode.
Só no intervalo do jogo é que o levaram para o hospital aonde ele veio a se recuperar, sem a grana e sem ter ouvido a narração do jogo via rádio e nem via tevê.
– A Copa, agora, só em 2010! – disse-lhe Dona Maricota.
– Será que irei vê-la? – respondeu despindo-se da roupa hospitalar.