SERENIDADE
Estavam os dois à beira do rio. O menino, prestes a completar seus 12 anos e o avô, um homem de cabelos ainda grossos mas já quase todos brancos, de pele cansada pelo sol e pelo tempo, mas de um sorriso sereno e reconfortante no rosto. Ali, eram os dois a mais pura expressão da paz e da cumplicidade. Alheios ao redor, eram aquilo que nós mesmos vamos deixando de ser com o tempo. Sabemos que somos totalmente verdadeiros com a gente mesmo só durante a infância e depois de velhos. Logo que perdemos a inocência da infância, com o tempo passamos a nos preocupar demais com coisas, pessoas, lugares, do que com nós mesmos. Com o tempo, as vicissitudes da vida nos levam a lugares que nem sempre gostaríamos de estar, a deixar de fazer coisas que provavelmente se ainda tivéssemos a sabedoria de uma criança não deixaríamos. Por vezes nos vemos nos ocupando com coisas que não têm muito sentido; outras vezes quase tudo acaba perdendo o propósito porque aquela alegria espontânea, risonha e até displiscente dá lugar a formalismos, moralidades, horários, lugares, pessoas e coisas que se esquecem disso. Depois, criamos os filhos, plantamos árvores, escrevemos livros - e quando já não temos mais todo o vigor da juventude, nem a pressa da maturidade, aos poucos vamos readquirindo aquele compromisso com nós mesmos de sermos apenas nós mesmos e fazermos mais aquilo para o qual nós nunca deveríamos ter nos desviado. Ser feliz com serenidade, simplicidade, sem pressa, sem medos ou receios e, principalmente, essencialmente, se divertir com a vida simplesmente.
Em meio à calma da tarde, o menino de cabelos claros e crespos, de nariz fino e rosto perfeito perguntou de súbito:
-- vovô, qual o segredo de ser feliz? Eu preciso encontrar uma pessoa que me faça feliz?
O homem olhou para o garoto como se já tivesse ouvido a pergunta antes dela ter sido feita, e com a mesma serenidade disse:
"Não há segredo em ser feliz meu filho, o segredo está em querer ser feliz. E a gente não procura por alguém, quando a gente encontra esse alguém, a gente tem apenas que reconhecê-lo e aceitá-lo como único e definitivo em nossas vidas."
Não satisfeito o garoto replica:
"Mas é possível então amar uma única mulher a vida toda? Todo mundo faz o contrário hoje, vovô."
O homem então, sentiu-se arrepiar de alegria, talvez de lembrar de tudo que passara e de se saber ali, onde ele sempre quis estar. Segurando as mãos do menino ele disse:
"Você pode amar um milhão de mulheres uma vez, ou pode amar uma única mulher um milhão de vezes. Poucas pessoas nessa caminhada terão a chance de reconhecer a sua metade. E mesmo daquelas que a encontrarem, menos ainda saberão que precisam ser fortes o suficientes para que valha a pena viver só por elas. A diferença está em viver pelo amor e pela verdade. Você pode experimentar a felicidade, ou pode fazer dela sua verdade. Mas tem uma coisa: o caminho pode ser tortuoso, oblíquo e por vezes difícil demais para ser acreditado. Mas amar a uma só alma é como ser um rio, nunca ser água parada. Você pode ser água parada e do mesmo jeito ao mar será levada pela chuva. E se um milhão de vezes o fizer, será sempre o mesmo. Insosso, inerte, vazio. Um milhão de vezes vai se sentir pela metade. Mas se for o rio; se aceitar que só o amor pode te transformar, então serás muito mais do que apenas água. Amar apenas uma mulher é como ser um rio tortuoso em busca do mar. A água que passou por aquela curva, no instante seguinte já não é mais a mesma. Se reinventou, se incorporou, se deixou modificar pelo que o caminho lhe trouxe de novo, mas nunca, jamais se esqueceu que o seu propósito era encontrar o mar. Amar uma única pessoa é saber que esse caminho é incerto mas é lindo, que te transforma a cada momento pra te tornar mais forte. E finalmente, quando encontrar o mar, saber que não se chegou à perfeição, que não foi feito tudo que podia. Que o mar não é o fim, não é o amor, é apenas o motivo maior que te faz recomeçar e amar ainda mais a quem você aceitou. Amar uma única pessoa não é encontrar esse mar. É saber que ao chegar, tudo aquilo te tornou mais maduro e mais pronto pra que faças tudo de novo por essa pessoa, para que se torne rio novamente e se deixe levar, sabendo que só assim viverás a felicidade verdadeira e irrestrita, pois todos os rios te levarão a um só lugar, pois todos os oceanos no fim se convergem ao mar de amar..."
Depois de um breve silêncio, o homem, percebendo ter tocado fundo o menino, lhe estendeu os braços largos e recebeu um abraço reconfortante, e terminou:
"Apenas abra os olhos e o coração pra reconhecer o amor. E se um dia o fizer, deixe-se tornar um rio caudaloso pois verá que no final, só encontra o mar, quem viveu pra amar..."
Naquela tarde, quando caminhavam os dois de volta, ambos tinham um sorriso diferente no rosto. Um sorriso de serenidade e alegria plena. O homem por saber que valera a pena, o garoto por saber que valeria....