PEDAÇOS DE MINHA VIDA __NO PASSADO ALGUMAS COISAS APAGAM

APAGAR O PASSADO

Apagar o passado só acontece com alguém que tem amnésia. Mas muitas coisas do nosso passado nós apagamos. Eu, por exemplo, apaguei coisas de quando eu tinha dezessete anos.

Quando eu tinha dezessete anos, trabalhei numa creche, situada na Rua Cipriano Barata,

No bairro do Ipiranga. Lembro-me de muitas coisas que eu fazia nessa creche. Quando comecei trabalhar lá eu trabalhava com meninas de sete até dezesseis anos, essa faixa etária era chamada de Anjo. Ajudava lavar os corredores e pátios que eram lavados todos os dias. Certo dia me pediram para trabalhar com crianças de dois anos até o jardim. Eu ajudava dar banho nas crianças, dava café, ajudava dar a comida, e cuidava deles durante a recreação, após o almoço. Depois subia com eles e colocava todos nos berços.

Eles dormiam aproximadamente duas horas, em seguida tomavam uma vitamina e desciam para brincar até na hora do jantar. Após o jantar eu ficava como eles num páteo para brincar um pouquinho e os levava para dormir. Depois eu ia descansar. Outros funcionários cuidavam deles.

Eu dormia num dormitório onde dormiam muitas funcionárias que lá trabalhavam. Essas crianças estavam lá e eram do juizado de menores cujos pais tinham algum problema familiar.

Todos os domingos era dia de visita. Os meninos ficavam lá do berçário até a idade do jardim da infância. Depois eles iam para outra creche. As meninas ficavam até completar dezoito anos. Elas faziam o curso fundamental até a quarta série na própria creche. O curso ginasial

Era feito num colégio de freira que ficava não longe da creche. Poucas crianças que lá moravam conseguiam fazer o ginásio.

Hoje sei como a vida sem a família dificulta a aprendizagem. Embora essas crianças fossem bem alimentadas, tinham grande dificuldade de aprender. Só algumas aprendiam tocar acordeom

Quando eu trabalhava com o Menino Jesus, crianças de dois a seis anos, eu fiquei com reumatismo. Fiquei de cama sem poder andar. Uma amiga pediu minha roupa que devia ser lavada e lavou para mim. Ela também me trazia comida que eu comia na cama. Só não sei

Como que eu fazia para ir ao banheiro e tomar banho. Isso é umas das coisas que apagou da minha cabeça. Lembro-me que no dia trinta e um de dezembro eu estava de cama. Todos que

trabalhavam lá foram à missa e após a missa cumprimentar a madre superiora e ganhar um presente. Como eu parecia estar com febre, sentia dores nas pernas e sonhei que quando elas entraram para dormir colocaram os presentes em cima das minhas pernas e por isso elas doíam muito.

Um dia um médico veio me ver e receitou umas injeções bem doloridas.

Como a irmã que dava injeção trabalhava com o Menino Jesus, me levaram para dormir no dormitório das crianças. Tiveram que me carregar sentada numa cadeira e subir duas escadas comigo. Fiquei com muito medo de cair.

Após vinte dias mais ou menos, voltei a andar.

Não trabalhei mais com as crianças e fui trabalhar em uma sala que passava roupas das crianças. Fui trabalhar lá para evitar apanhar friagem. Para dar banhos nas crianças os funcionários ficavam muito tempo com os pés molhados.

Esta sala que eu trabalhava era o melhor trabalho da creche, folgávamos todos os domingos.

Não cheguei a trabalhar nem um ano lá. Um dia fui passear na casa da minha irmã e meu cunhado queria que eu dormisse lá, e telefonou para a creche e disse que minha irmã tinha brigado com o marido e eu precisava dormir lá. Fique morrendo de vergonha com o fato e só voltei lá para pegar minha roupa.

Lembro-me de muitos outros fatos que aconteceram nessa creche, só não me lembro como eu tomava banho e ia ao banheiro.