DA PAIXÃO DE SER CRUZEIRENSE

Corria o mês de junho do ano de 1965, noite gelada na Paulicéia Desvairada, assim apelidada na música do Caetano Veloso.

Eu completava o meu Curso de Contabilidade numa escola da Praça da Sé, em pleno coração paulistano. Enfrentava uma prova semestral de Organização Comercial, aplicada pelo autor do livro adotado na matéria, o Professor Adelphino Teixeira da Silva.

Estava bem de nota nessa disciplina, conhecia tudo, de maneira que terminei rápido e fui o primeiro a entregar minha prova.

A seguir, cumprimentei o professor e disse bem alto, só para chateação à classe:-

“- Mestre, se o senhor me permitir agora vou direto ao Pacaembu para ver o meu time ser campeão em cima do Santos. O Cruzeiro, é claro!”

Meus colegas, todos de cabeça baixa em suas respectivas carteiras, concentrados que estavam na prova, ergueram seus olhos ante minha provocação:-

“- Sai pra lá, mineiro safado! Desde quando o Santos há de perder em casa pra vocês? Tá por fora, velho!”

Eu dei risada e me mandei pro campo, onde o Sergio (sampaulino) e o Nivinho (santista doente) me aguardavam com outros amigos.

Na Praça Charles Muller, defronte ao charmoso estádio do Pacaembu, havia mais de vinte ônibus procedentes de Belo Horizonte, trazendo a torcida azul-celeste para ver o jogaço de bola. Meu coração batucou, sentindo saudades da terra, vi os amigos no local combinado e adentramos o campo, em direção às arquibancadas.

Na partida realizada no “Mineirão”, em Belo Horizonte, o Cruzeiro havia ganhado por 6 x 2, chamando a atenção da torcida brasileira para o time de jovens craques:- Raul, Pedro Paulo, William, Procópio e Neco; Piazza e Dirceu Lopes; Natal, Tostão, Evaldo e Hilton Oliveira.

Começou o jogo e o Santos, com Pelé & Cia. (Zito, Mengálvio, Pepe e tantos outros nomes famosos) partiu pra cima do time estrelado. O Cruzeiro não agüentou o sufoco e ... Santos 1 x 0, gol de Pelé!

Dada nova saída, os cruzeirenses perdem a bola, o Santos domina, o time mineiro fica envolvido, seus jogadores não acertam os passes. O Santos pressiona novamente, ataca rápido e ... 2 x 0 no placar!

Termina o primeiro tempo, a torcida paulista faz um barulho danado, os mineiros quietos, silenciosos, sem querer acreditar no que os seus olhos presenciavam.

Meus amigos paulistas pegavam os meus livros e atiravam pro alto, faziam a maior algazarra, acertavam-me tapas na cabeça, azucrinavam comigo de todas as maneiras. Virei-me, procurando manter a calma e profetizei:-

“- Calma, pessoal. Meu pai já dizia que futebol são onze contra onze, não tem nenhum aleijado lá dentro. Ademais, o jogo é disputado em noventa minutos. Vamos esperar o segundo tempo.”

“- Qual é, mineiro? Quer apostar?”, provocou o Nivinho, o santista.

“- Uma dúzia de chopinhos, pra gente tomar lá no Iate Lanches, na Aclimação, logo após o jogo!”, eu respondi de pronto, assustado com a minha firmeza.

“- Tá fechado!”, falou o Nivinho.

Lá vem a moçada do Cruzeiro para a segunda etapa. O campo estava molhado, tinha caído um chuvisco. Alguns de calções enlameados. Tostão chama os companheiros num canto, abraçam-se num círculo, combinam um estratagema qualquer. Nivinho grita com toda a força dos seus pulmões:-

“- Vamos lá, Santos! Vamos devolver os 6 x 2 do “Mineirão”. Negócio de mineiro é pão de queijo! ...”

O time é outro, eu percebo. Mais agressivo, compacto na defesa, bem articulado no meio de campo e insinuante no ataque. Bola de Natal a Tostão, deste para Evaldo, o crioulinho invade a área e é derrubado. Pênalti! O juiz apita, marcando a falta. Tostão ajeita a redonda na marca fatal.

O árbitro autoriza, ele corre e chuta mais grama do que bola. O tiro sai fraquinho e o goleiro Cláudio defende com a maior facilidade. Tostão volta ao meio do campo, sinaliza e pede calma aos seus companheiros. A partida ganha em emoção, os meninos do Cruzeiro envolvem a famosa equipe do “Peixe”, Dirceu Lopes brilha e faz tabelinhas com os seus pares. O time celeste vem como um rolo compressor pra cima dos zagueiros adversários e ... 2 x 1 no marcador!

Aí, meu velho, só dava eu no meio da torcida paulista. Gritava incentivos aos meus patrícios da equipe azul-celeste, ria desbragadamente na cara de todos, devolvia os tapas recebidos às cabeças dos meus amigos, uma zorra!

E lá vem de novo o timaço do Cruzeiro, numa triangulação infernal, Tostão, Dirceu Lopes, Evaldo e ... golaço de Dirceu Lopes, estufando as redes do Cláudio e empatando o jogo: 2 x 2 agora. Nova saída, novo ataque cruzeirense e ... 3 x 2, de virada!

Daí a pouco o juiz apitou, encerrando a fenomenal partida de futebol. O campo foi invadido, Tostão e os outros carregados nos ombros da torcida fanática. Cruzeiro, legítimo CAMPEÃO DA TAÇA BRASIL, 1965.

Saímos do Pacaembu e nos dirigimos ao Iate, na Aclimação, onde o Nivinho pagou a dúzia de chopinhos que ganhei na aposta. E fui dormir feliz, recompensado, com as cenas daquele jogo emocionante passando em “flash back” pela minha memória! ...

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 19/06/97

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 26/11/2009
Código do texto: T1944544
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