Em cima do muro
Cheguei de surpresa na festa calorosa; a música alegre entretendo o povo todo, tarde cheia, o quintal abarrotado de pés descalços, molhado de um lado, chinelos espalhados e bolsas nas cadeiras de outro; pratos às pilhas, limpos, talheres cruzados ou restos mortais de carne crua servindo as moscas titubeantes.
Sentamo-nos todas à beira-mesa, o suor escorria por que o sol castigava; gente de toda idade povoando a enorme piscina, sentados ao guarda-sol, indo e pulando metidos nos seus trajes psicodélicos; risadas e batuques que cortavam a fumaça e vinham ter conosco ali perto da churrasqueira, onde um balofo de sunga retorcia os espetos.
Mal chegamos e todas já nos separamos; embora algumas ficassem ali imóveis – dado que me incluía – a maior parte foi levada para atrás da varanda, todas juntas, lado a lado, longe das nossas vistas. Ficamos as três ali, um instante esquecidas, à mercê do vai-e-vem sobre a toalha de algodão, o tibum da colher sobre o molho, as migalhas dos pães que se estilhaçavam no corte, caindo sobre o ladrilho como neve para o dócil cãozinho.
Naquele calor escaldande em fração de segundos restei-me da companhia de minhas duas amigas, levadas às mãos desconhecidas em outra direção, sumindo para dentro da casa pela porta de vidro, escancarada sobre um tapete roliço, a essas alturas entrecortado pelas pegadas de todo tipo ou tamanho, estendido sobre a soleira.
Ainda que se passassem alguns dois minutos; em menos que isso me levantaram dali para a posse de alguém, talvez uma moça pelas mãos lisas e finas ou pelo jeito canhestro de me romper a tampinha, sorvendo meu levedo ainda um pouco gelado, meio esquentado pelo atraso, meio rápido pelo fogo, mas o tanto para que com uma das mãos enxugasse uma baba e com a outra me soltasse num desengasgue, onde fiquei esquecida até agora, choca, em cima do muro.