Dorvalino - louco, manso e, voador
Dorvalino - louco, manso e, voador
Existe no meio jurídico uma candente discussão sobre as mudanças sobre diversas partes de nosso vetusto Código Penal - inclusive quanto à definição de portadores de doença mental, definidos ali como "loucos de todo o gênero" e, aos quais não se imputam penas.
Numa novela da rede Globo que acabou de ser exibida, havia um médico que sempre falava a um estudante residente de medicina sobre tipos loucos (caso dos esquizofrênicos) e, outros que são erroneamente como tais, os psicopatas.
Essa discussão estava ligada com aquela, já que os psicopatas não sendo loucos, já é de firme entendimento dos tribunais, são passíveis de imposição das penas da lei.
Pensando sobre isso, acabei me recordando de um doidinho que havia em minha cidade, no tempo da infância, o Dorvalino, um daqueles chamados "loucos mansos", já que sua situação não inviabilizava o contato e a convivência social.
Me diziam que era um sujeito comum, um bem educado filho de classe média, que demonstrava ser muito inteligente e, aferrado ao hábito da leitura, que, por conta justamente delas - em especial da Bíblia, pirou de uma hora para outra, sem que houvesse meio para que recobrasse o juizo.
Apesar de não deixar a casa paterna, isolou-se da convivência direta com a família e passou a vestir-se como um maltrapilho - camisas amarfanhadas, calças idem, amarradas por uma fina corda e, os pés chatos sempre descalços.
Sua vida era andar sobre os muros de divisas de casas e prédios públicos na cidade. Em tal trilha, passava todas os seus dias andando - sempre apressado.
O muro do pátio do colégio Herculino Gomes Arantes (que ficava em frente a casa onde eu morava) era o seu preferido, pois era alto, largo e, bem longo. Não havia dia que não fosse visto ali, caminhando lépido, com os braços abertos como se estivesse dividido entre a procura do equilíbrio e o alçar de um voo virtual, infante e heróico.
De vez em quando, a gente se assustava ao olhar para a janela e, ver um par de pés, sobre os muros de divisa com a casa vizinha. Mas, logo depois, a gente identificava os pés chatos do Dorvalino e, se acalmava, pois sabia que ele estava de passagem, nas suas caminhadas meio áereas, pois era sabido que ele não representava perigo, nem ia bulir em qualquer objeto pela área da casa, exceto, livros e jornais descartados ou esquecidos em algum lugar.
Nessas andanças diárias, ele descia dos muros apenas para falar longamente consigo mesmo ou com um interlocutor invisível, com o olhar perdido ou, para receber um almoço ou lanche ofertado por alguém da vizinhança. Mas, não demorava e, voltava à atividade, como se nada tivesse sucedido, nos momentos anterirores.
À noite, porém, sempre voltava à casa, extenuado, para recomeçar tudo, no dia seguinte.
Certa dia, porém, voltando de suas peregrinações, foi atrapelado na rodovia que passava ao lado da cidade e, e sua vida de alienado manso e voador encantado com as trilhas de voo entre as casas e difícios públicos da cidadezinha onde nasci chegou ao um lastimado fim.
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Em certas ocasiões, a molecada se reunia em bando, para imitar a Dorvalino, num campeonato de caminhada sobre os muros - ganhava quem não caisse, ou caisse menos, durante o percurso.
Quem andasse devagar, ela logo desclassificado, pois não estava de acordo com o estilo do nosso inspirador.
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Uma colega que conhece do assunto, acaba de me explicar que, bem ao contrário das informações que eu tinha, a obsessão pela leitura já seria o sintoma do transtorno mental de Dorvalino.