Acostumar-se
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Publicado no Jornal Letras Santiaguenses, edição Mai/Jun 07
Dedico esta crônica àqueles que moram sozinhos. Não solitários, necessariamente, mas sozinhos. Aos que, quando não estão trabalhando ou estudando, passam a maior parte do tempo consigo mesmos. Os acostumados à total privacidade, impulsivos a fazer tudo o que vem à cabeça da maneira que acharem por certo, nos horários que lhes interessarem.
Estes bravos solitários invariavelmente algum dia sentirão um certo estranhamento, medo sem explicação, beirando o desespero. Mal eles sabem que é devido à terrível hora ter chegado: de dividir o teto com alguém. Seja o amigo, a amante, os parentes. Independentes de quem for, todos estes causarão no rústico canino, calafrios.
Em algum momento da nossa vida passaremos à metamorfose de únicos habitantes do lar, para dois, três ou mais; vai depender do tamanho da família. E é neste instante que o nosso eu entra em conflito. Pois queremos deixar de habitar a caverna e passar à bela casa dos sonhos, acompanhados. No entanto, também temos medo de não conseguirmos nos acostumar à nova rotina. Pois serão mais pessoas sob o mesmo teto e várias regras passam a vigorar. Tudo em prol do bom relacionamento, da dita civilidade.
Mas estamos acostumados a viver sozinhos. Assim como nos acostumamos com o ruim e o feio, acostumamo-nos à solidão. Porque somos seres que se sentem seguros com as coisas da maneira que são; e ansiados ficamos quando o novo se descortina.
A nova maneira de viver cortará alguns privilégios, como o de chegar em casa e jogar a roupa no chão, sem se preocupar com olhares discriminatórios; assistir televisão ao navegar no computador, com um copo de refrigerante e um pedaço de pizza a tiracolo; andar apenas com as roupas de baixo por toda a casa e não ser atacado por atentado a pudor. Regalias que se vão.
Contrabalanceando, as noites solitárias de inverno ficarão apenas na lembrança, porque haverá um amigo para debater idéias, um irmão para segredar, uma amante a amar.
Morar sozinho não é ruim, faz parte de uma fase da nossa vida, onde estamos, na maioria dos casos, projetando o nosso futuro. Morar junto também não é um bicho-de-sete-cabeças, pois tem suas vantagens. O que acontece, é que não podemos nos acostumar com a atual situação se ela não nos é mais proveitosa, não nos beneficia mais. É não parar no tempo, buscando sempre viver melhor, seja acompanhado ou sozinho.