O Passado

O Passado é um lugar que eu visito com certa frequência. É no passado que busco refúgio para minhas inquietações. É no passado que encontro velhos amigos, entes queridos que já não estão mais comigo. No passado tem esperança, tem sonhos, tem vontades. No passado me deparo com a minha juventude e com a minha rebeldia. No passado encontro amores antigos, conversas inacabas, desejos não realizados, todos os meus erros e alguns acertos.

No passado tem as férias longas de verão na casa da Ilha. Tem eu criança correndo descalça pela areia, a comer as pitangas que caíam da árvore sobre a Variant branca da minha mãe. Tem o gosto da maresia nos meus cabelos molhados, que eu sorvia mecha por mecha delicadamente ao sair do mar. Tem as tardes passadas na rede da varanda e as noites na Vila. Tem o bloco da Tetéia de carnaval, eu fantasiada de Carmen Miranda, com o nariz descascado do sol. Tem a primeira morte que experimentei como coisa absoluta.

No passado tem o bairro aonde eu cresci, com seus pinheiros verdes e noites frias de inverno. Tem a lareira acesa em casa, e o chocolate quente pelando. Tem a Farmácia do Cido, o Bazar da Laura, o Salão da Rosa e o Clube do João. Lá também tem bolinhos de chuva e festa junina. No passado eu andava de bicicleta e vivia com o joelho esfolado. Lá tem meu primeiro beijo, minha primeira paixão. Tem todos os cachorros que já tive, e a minha gata Babalu desfilando sua graça pelo telhado de casa.

No passado tem eu adolescente descobrindo os livros, e lendo com a luz fraca do abat-jour de noite na cama. Tem Machado de Assis, Tolstoi, Dostoievsky, Hemingway, Fitzgerald, Camus, Sartre. No passado encontro a rebeldia dos anos de faculdade, as partidas de pingue-pongue no Centro Acadêmico, o chopp na Avenida Paulista no fim de tarde. Tem também as viagens pelo continente, as saias hippies que usei, com flores no cabelo. Meu primeiro carro, meu primeiro emprego de verdade. O primeiro gosto da liberdade.

No passado tem o encantamento dos amores passados. Tem a lembrança da primeira vez, e da última em que me apaixonei de verdade. Tem uma noite em Londres, e uma tourada na Espanha. Tem uma taça de vinho e um ducha fria em Cabul. Tem as mangas que comi na Índia, a solidão que senti no deserto do Paquistão.

É para o passado que eu vou quando me sinto abandonada, estranha no mundo, sozinha. É para lá que eu vou quando me torno cética e dura diante das coisas da vida: quando quase nada me emociona, ou me entristece, ou me alegra, ou me motiva. Visito o passado como uma criança ansiosa por abrir os presentes de Natal, esfregando uma mão na outra, com as pupilas dilatadas, só que sempre sei o que vou encontrar lá. No passado tenho todas as minhas necessidades preenchidas.

É no passado que estão os fios da tela que é hoje a minha vida.