ESCRITO NO PÓ

Eu apenas amava de forma errada. Quão difícil é amar na obrigatoriedade daqueles homens. Talvez eu pudesse não alimentar um sentimento, mas o seu trato e sensibilidade o diferenciava dos outros, inclusive o meu.

Eu me entreguei como não me entregara desde o nascimento, tamanha volúpia de paixão. Fiz-me cega e não enxerguei a razão da vida, preferi me jogar na incerteza de um amor proibido. Alimentei cada momento, mesmo que em segundos pudesse perder a minha alma de mulher.

E num piscar do prazer, me vi presa nas garras da multidão. Os emaranhados dos cabelos envoltos nas mãos dos homens que ferviam de ódio. O meu rosto queimava dos tapas que recebia, e meu corpo encoberto do pecado se escondia atrás de umanto rasgado.

Não sei ao certo quantos eram, os viam apenas por debaixo do olhar, fitá-los era impossível. Roguei apenas por uma morte rápida.

Qual não foi meu espanto, quando já toda machucada, na alma e no corpo, me entregaram a um homem. Eu não consegui encara-lo, apenas sentia dentro de mim o corte fino do arrependimento. Mas aquele homem entrou na minha alma, o som de sua voz preencheu a minha angústia e me deu colo.

Por entre as pernas dos homens maus, pude vê-lo escrevendo na terra, os pecados mais rudes de um homem. Enquanto escrevia um silêncio tomou conta da multidão, que lia em silêncio os escritos daquele homem.

Numa pureza infantil, ele indicou aos que me oprimiam, que me apedrejassem caso fossem puros para tal. Entre as lágrimas de meus olhos e o choro da minha alma, ouvi os sons das pedras que tocavam o chão. Uma a uma.

Restou apenas o homem e eu. Ele segurou de leve o meu rosto, erguendo lentamente para que pudesse fita-lo e perguntou-me: Cadê os homens que te acusam?

Soluçando apenas disse: Já se foram!

Ele estendeu a mão, apontou-me o caminho, passou pé no pó para apagar os escritos e me disse: Vai e não peques mais.

E assim eu segui o caminho do perdão. A cada passo que eu firmava em terra, me vinha a certeza de que os meus erros e os dos homens que tramaram minha morte, foram escritos na terra para que um simples vento ou tocar de um homem pudesse apagá-los para sempre.

Samuel Boss
Enviado por Samuel Boss em 23/11/2009
Código do texto: T1939908