Cora Coralina, a mulher

     
1. Abro os jornais e leio uma interessante matéria sobre Cora Coralina. Tenho por essa iluminada poetisa e excepcional cronista uma admiração ilimitada. 
     
2. Sua prosa e seus verso são de uma delicadeza incomparável. Na prosa, dois de seus livros - Estórias da Casa Velha da PonteO Tesouro da Casa Velha - confirmam o que estou dizendo. Na poesia, ela tem versos como estes, abrindo o poema O cântico da terra:
 "Eu sou a terra, eu sou a vida./Do meu barro primeiro veio o homem./De mim veio a mulher e veio o amor./Vem o fruto e vem a flor."
     
3. Não foi por acaso que Carlos Drummond de Andrade, parcimonioso nas suas críticas, encantado com a poesia de Cora,  sobre ela escreveu: "Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina".
     
4. No coração do Brasil porque Cora Coralina nasceu na Vila Boa de Goiás, no dia 20 de julho de 1889. Na pia batismal recebeu o nome de Ana; no Cartório, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. 
     
5. Viveu grande parte de sua vida entre Vila Boa de Goiás e São Paulo. E morreu na cidade de Goiânia, no dia 9 de abril de 1985; perto, portanto, de completar 96 anos de idade.
     
6. Seus biógrafos são unânimes em lhe desenhar o perfil como de uma mulher forte, decidida, muito inteligente, e, acima de tudo, otimista. É sua esta frase: " Nunca escreverei uma palavra para lamentar a vida. O presente é incomparavelmente  melhor do que o passado, assim como também o é o futuro em relação ao presente." 
     
7. Uma mulher forte. Mostrou essa qualidade quando, ainda muito nova, enfrentou seus pais que não a queriam amiga dos livros. Porque gostava de ler, por eles, disse ela, "fui considerada... uma criança desajustada, aquilo que os franceses chama de détraqué". 
     
9. Viveu num tempo em que as mulheres vinham ao mundo para falar de crianças, de criadas e do fogãozinho a lenha. Nada de mulher "intelectualizada".
     
10. Mulher decidida. Mostrou essa qualidade quando resolveu criar o seu pseudônimo. Deixou de ser Ana para ser Cora Coralina. E disse porquê: "Em Goiás existem muitas Anas por causa da padroeira da cidade, e eu não queria ter xará. Cora vem de coração, e coralina é a cor vermelha."
     
11. Casou e enviuvou. Confessou, publicamente, que não fora feliz no casamento; tivera que enfrentar o ciúme exagerado do seu companheiro. Vejam o seu desabafo: "Ele tinha a tara do ciúme, de dia e de noite. Não posso falar bem do meu marido. Era muito culto, e eu, mais inteligente. Ele não perdoava isso. Não pude me apegar a ele porque não me deu nehuma oportunidade para isso."   
     
12. Defensora intransigente da mulher, é dela o  poema Mulher da vida, lamentando o dia a dia atribulado de nossas prostitutas e a humilhação que lhe é imposta pela sociedade elitisada.   "Mulher da vida, minha irmã./Pisadas, espezinhadas e exploradas./Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito."
     
13. Nas últimas décadas - é fato inconteste - as mulheres, pela sua cultura, estão galgando posições de destaque e de reconhecido poder de decisão no Estado organizado. Mas elas só serão definitivamente vitoriosas quando seguirem à risca este conselho de Cora Coralina: "As mulheres serão fortes no dia em que organizarem seu partido político, quando deixarem de fazer campanha pelo marido, pelo irmão, pelo namorado ou pelo amigo." Digo eu: se isso algum dia acontecer, os homens que se cuidem.
     
14. Para atravessar ilesa o tempo em que as mulheres intelectualizadas eram discriminas, Cora Coralina não se afastou das lides domésticas. É o que leio nas gazetas que circulam hoje dando conta das guloseimas que a notável versista fazia; as receitas estão no seu  livro Cora Coralina doceira e poeta.
     
15. Doces, bolos e salgadinhos fabricados por mãos que não haviam nascido para fazer quitutes. Haviam nascido, sim, para alimentar os amantes da boa literatura com poemas e crônicas que o tempo nunca conseguirá levá-los ao esquecimento.
          
                 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/11/2009
Reeditado em 20/09/2019
Código do texto: T1939615
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