A criança em cada um
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Publicado no Jornal Letras Santiaguenses, edição Jul/Ago 09 e no “Jornal Tribuna” em 29 Ago 09
As crianças são especiais. Não as considere gente, mas pequeninos anjos que Deus criou e que um dia deixam essa sua condição de especiais e crescem. Continuam maravilhosas, permanecem encantadoras, mas não são mais crianças. Tornam-se adolescentes, ou aborrecentes, como muitos as chamam durante essa intempestiva fase da vida. Amadurecem, são consideradas adultas, conquistam os seus objetivos, seus ideais (ou não) e envelhecem. Idosas, passam a compor uma parcela pouco valorizada da sociedade, mas muito importante, seja pela sua contribuição ou pela sabedoria que carregam consigo que só a experiência de vida pode proporcionar.
Mas falávamos em crianças, nos inocentes que serão os adultos do futuro. Quem não se encanta ao ver um toquinho de gente todo entrouxado pelo frio, o narizinho vermelho, as bochechas rubras com o corpinho todo encolhido? Aquele andar natural e o rosto tão suave que mal parecem verdadeiros.
Anos atrás poderíamos dizer que eram pimpolhos que se vestiam sem preocupação alguma com a estética, apenas interessados em bonecas e carrinhos. Hoje esse quadro modificou-se um pouco. Vemos meninos e meninas arrumadinhos como gente grande. Parte por vontade dos pais, que querem que seus primogênitos reflitam tudo aquilo que creem ser belo. Parte pela influência da televisão, internet e pelas conversas com seus amiguinhos. Anseiam pelas roupas mais atuais, tênis e sapatinhos de marca, na ideia de que ficarão mais bonitos assim.
Pois não precisam de nenhum artifício para serem lindas. O ar da inocência de uma criança já conquista um adulto e amolece um duro coração.
A criança é aquele ser inconveniente, às vezes, porque não sabe o que ocorre a sua volta e ninguém explica. A irmã mais velha que está no telefone namorando com o colega de aula e que não quer explicar com quem conversa. “Mana, tá falando com quem no telefone? Com ninguém, Matheus. Como não, mana, tô vendo. Quem é? Matheus, vai lá na sala que a mana já vai daqui a pouco, tá?” Mesmo não convencido, o pequeno curioso abandona o quarto e deixa-a sossegada no seu canto.
Pode ser, também, um delator. Porque não há nada que fale que não seja puramente sincero. Os pais conversam e a campainha toca. Pedrinho, vê lá quem é. É a tia chata que veio pro almoço. E sempre chega nessa hora! A criança escuta o comentário dos pais, volta antes que lhe digam algo e dirige-se à indesejada. “Você veio pro almoço, né? Só vem na hora do almoço, né?” E já chega a mãe, atordoada com as palavras do filhote. Haja saliva para desfazer o mal entendido. Ou melhor, pra desfazer o bem entendido.
O acesso irrestrito aos novos meios de comunicação e a toda a gama de possibilidades que estes fornecem, modificou alguns aspectos do desenvolvimento cognitivo das crianças. A informação passou a ser mais fácil de ser encontrada. Assim como jogos educativos tridimensionais e interativos que aguçam o pensamento infantil. E lado a lado com os benefícios, os conteúdos impróprios a menores também são de uma facilidade enorme de serem acessados. Os efeitos disso são minimizados com os bloqueadores de conteúdo, onde um pai pode controlar o que seu filho acessa e dessa forma melhor orientá-lo na sua navegação, assim como proibir a entrada em sites indesejáveis. O que não impede que o proibido em um lar também seja na casa do coleguinha, onde não há tanto controle nem acompanhamento paterno. E aí o problema reside em mostrar o que pode, o que não pode, independente de proibição. Além disso, sempre é bom fiscalizar as atitudes dos pequenos, ser um amigo sempre que possível, interando-se do que fazem e pensam.
Não é por nada que Michael Jackson construiu um parque de diversão onde morava, o Neverland, a Terra do Nunca. Ser criança é o que há de melhor. Sem preocupações, nem contas para pagar ou metas a atingir. Ah, como era bom ser criança, sem responsabilidade nenhuma. Não é isso que por vezes suspiramos e aspiramos? Hoje é fácil dizer que é fácil ser criança. Mas quando éramos, não era, não. Com pouco conhecimento de mundo, queríamos saber de tudo, porque tudo era novo. Não era, diferentemente do que hoje pensamos, fácil ser criança.
Era puro, sim, ser criança. Era inocente ser criança. Era natural ser criança. Era bom, muito bom. Mas agora também é bom ser adulto. Se era bom não ter responsabilidades e poder brincar o dia todo, hoje é bom poder sair, conhecer novas cidades e pessoas, agir livremente, sem tanto controle quanto na infância.
Michael era excêntrico, dependente químico, endividado, suposto pedófilo, mas um excepcional artista. Neverland era um capricho, muito dinheiro investido para pouca gente aproveitar. Mas uma prova de que a infância que residiu em nós nunca se apaga. O anjo que éramos já não é mais o mesmo, mas ainda persiste em nosso interior. Não possuímos mais a cândida inocência da infância, nem a birra interminável dos 13 anos. Desfrutamos o prazer da maturidade aliada à experiência, com gotas de muita expectativa e sonhos a serem realizados. Mas, de certo modo, nunca crescemos por completo.