Bem Aventuradas as Selvagens
No sermão da Montanha, texto atribuído a Jesus, encontramos declarações de consolo aos oprimidos e excluídos das relações de poder em seu tempo, entre eles, se encontrava os mansos, eles; herdariam os céus segundo Jesus.
Quando me deparo com afirmativas como estas sentenciadas pelo Jesus dos Cristãos, fico a pensar o que será dos selvagens. O que será daquelas pessoas que não conheceram a mansidão, que não tem vocação para monge e possui um temperamento nervoso. Estas pessoas bravias, que não sabem se aquietar diante das injustiças, que não se calam diante das autoridades, e, que se indispõem com quem quer que seja para defender suas idéias. Elas estão condenadas ao inferno?
Conheci muita gente assim, mas sempre os vi com bons olhos, percebi pessoas com temperamento mais agressivo, tendem a ser menos rancorosas. Elas explodem e pronto, estas pessoas também são mais transparentes, se gostam, gostam, se não gostam, deixam evidente. O problema é que tais pessoas estão mais propensas a arranjar mais inimigos que o normal.
Recentemente, tive o privilégio de conhecer uma jovem mulher que por alguma razão me fascinou, seu estilho “indomável” sempre me chamou atenção. Zootecnista, ela certamente deve ter escolhido tal profissão por achar mais fácil se relacionar com os animais, de fato, as pessoas são estranhas. Além de agregar sensualidade a selvageria, inteligência e beleza, era dinâmica e centrada. Não possuía qualquer problema em se expor, às vezes era tomada por uma timidez, outras, tomada pela impertinência, quase sempre, porém, era coerente.
Eu não sei por que, mas percebia certa carência nela, embora não fosse muito dada ao carinho e ao afago, seu jeito arisco, me parecia uma arma contra aquilo que ela mais queria, mas por alguma razão se esquivava na sua selvageria. No fundo, não era diferente de qualquer mulher, mudava o humor durante o período pré-menstrual, sua vaidade era perceptível, lembro-me de vê-la lindamente vestida com um vestido preto e sandálias, onde finalmente pude contemplar seus belos pés femininos, com as unhas devidamente feitas e pintadas.
Tabagista e desbocada, passou por muitos setores em seu trabalho devido a seu jeito peculiar de tratar as questões ligadas aos relacionamentos. Por ser direta, muitas vezes parecia arrogante, mas nunca foi, apenas, lhe faltava a sensibilidade necessária para perceber que sua fala era carregada por imperativos. Havia, no entanto, certa meiguice em seu jeito de ser, quando sorria, era espontânea. Seus cabelos, sempre bem tratados, ajudavam-na manter sua postura de selvagem de dia, mas soltos na noite, imagino que lhe transformaria numa “gata manhosa”, ao estilo Leo Jaime.
Bem aventurada sejas! Bem aventurada àquela que não mede bem as conseqüências das coisas que diz, aquela que se joga sobre o sofá do escritório com as pernas arregaçadas, bem aventurada aquela que não teme tentar, que ousa ser feliz e que não está nem ai para os outros, os outros que se fodam! Bem aventurada aquela que não se intimida, que esbraveja no primeiro sinal de contrariedade, que, como bem escreveu Ivan Lins, não tem vergonha de sentir tesão. Bem aventuradas as selvagens.