Lixo cibernético

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Publicado no Jornal Letras Santiaguenses, edição Set/Out 09

Ocorreu num desses dias raros onde as horas se arrastam e o tempo lá fora parece um velho oeste, com folhas voando e o sol escaldante. Faltava só a poeira da terra de chão invadir meus aposentos. É asfalto. Talvez seja esse o motivo de não ocorrer isso. Mas a típica imagem de cidade deserta figurava em meu consciente. Passei então, a vasculhar meu computador, deletando aqueles documentos que guardamos porque “um dia vamos precisar”. Na hora, não soubemos o que fazer com eles e decidimos deixá-los no mesmo lugar. Fica aqui que não incomoda.

Temos a possibilidade única que só um computador pode proporcionar-nos de guardar arquivos importantes e todo o lixo que costumeiramente não nos desfazemos, sem que ocupem muito espaço. Talvez alguns megabytes, mas o que são eles se nossas potentes máquinas armazenam na casa dos gigabytes? E não são poucos, é bom que se diga. São na ordem de uma centena de gigabytes e nos modelos mais novos, de algumas (até mesmo muitas) centenas. Dessa forma, entramos num círculo vicioso, onde compramos máquinas mais potentes e mais espaçosas; e quanto mais espaço, mais documentos arquivamos, mais lixo guardamos e mais aumenta a nossa necessidade de procurar um HD (hard disk) com maior capacidade de armazenamento.

Já não aconteceu alguma vez de tentar procurar um simples arquivo de texto, guardado há um certo tempo e demorar horas para encontrá-lo? E essa demora resumir-se pelo simples motivo de o arquivo ter o nome semelhante a outros vinte e estar dentro de uma pasta que tem outras dezenas de pastas que também é mais uma dentre muitas outras? É uma sistematização absurda que fazemos porque é tão simples criar uma nova pasta, colar dentro de outra e de mais outra. Aí, criam-se várias pastas, cada qual com inumeráveis subpastas que também têm outras subpastas e prossegue assim por incontáveis subdivisões.

Também tem aqueles documentos que atribuímos o nome do arquivo à anotação que desejamos e só por preguiça utilizamos o teclado em vez da caneta e do papel. Aí, fica um documento do Word (ou então do BrOffice Writer, do Sistema Operacional Linux) em branco com o seguinte nome de arquivo: “avisar o André que o Cláudio não vai mais à festa e está com os convites para devolver. Tel 9663-9587.doc”.

Uma grande amiga minha perguntou-me certa vez qual era o prazer que eu tinha em lotar o meu PC com arquivos de textos, fotos e vídeos. Repeti a pergunta a ela, qual era o prazer que tinha em ver o seu computador quase sem documentos, com menos de 30% do seu espaço em disco ocupado. Se o meu fosse assim, creio que me sentiria impotente, um ser incapaz de ter conteúdo para preencher todos os recantos do meu HD, por mais que usasse anos atrás um de 40GB e hoje ele seja de 120GB. Ela com a sua mania de deixar sempre vazio o seu HD e eu com a minha paranoia de querer completar cada vez mais os espaços que possuo. Não tenho dúvida de que quando meu HD for de 500GB, ocuparei 450GB e deixarei só 50GB, senão menos, de espaço livre.

Partamos da premissa que refletimos a nossa personalidade em todas as nossas ações. Buscamos incessante e angustiadamente o mais, o melhor e procuramos abraçar o mundo, entulhados de atividades. Lotar o computador com documentos não diminuirá nossa ansiedade natural, nem limpará os lixos que possuímos dentro e fora do mundo digital. Muito menos resolverá os problemas.

É bom diminuir a confusão de arquivos que criamos no mundo cibernético, de jogar para dentro da tela tudo o que cai em nossas mãos (ou melhor, que baixamos nos downloads). Saber selecionar o que é bom e o que é lixo. Não dá para valer-se da não-ocupação de espaço físico dos arquivos digitais. Pouco agiliza o uso de um computador se quando queremos um arquivo mal conseguimos encontrá-lo, se ele é tão acessível quanto uma agulha num palheiro. Se é bom limpar a casa e mantê-la limpa, também é bom deixar em ordem o nosso computador. Também é bom limpar o que nos sobra na vida, jogar fora os excessos, virtuais ou não.