Phoenix

Parado no meio da ponte contemplava o turbilhão de milhões de metros cúbicos de água liberados pelas comportas da represa, rio acima a tempestade já grassava e as águas lamacentas se mostravam no seu curso. Olhou fixamente as escadas construídas naquela cachoeira artificial, as quais asseguravam que a piracema se realizasse, ciclo da vida garantido aos peixes nas águas calmas da represa. O sol já desaparecia atrás de negras nuvens.

Sua mente divagava. Só queria ser feliz, um médio cidadão, exposto à disputa pelo espaço que lhe coube no grande latifúndio, já resignado forçosamente a pender para a base esmagadora da pirâmide social, multidão de deserdados empurrados ao limbo pela lei do abutre, da disputa cruel e do tormento que a crua realidade lhe causava, que destrói o sonho impossível de que os homens sejam irmãos.

Desanimado baixou lentamente sua bolsa ao cimento do passadiço e firmou-se no corrimão. As lágrimas no seu rosto se confundiam com os pingos da chuva que começara. Dentro da bolsa o avental de balconista da loja de cereais e a marmita com o parco alimento do almoço que não foi desfrutado. A cada emprego perdido, um pior acena, como que se aproveitando da má sorte de quem sai e do salário menor oferecido a quem chega, inexoravelmente empurrado ao caldeirão dos miseráveis.

Se debruça sobre a amurada, parece não perceber a chuva que já cai a cântaros, cabelos molhados, roupa molhada...

Pensa na família, sente a tristeza de não ver a luz salvadora, o ombro amigo a oferecer apoio, então senta-se num vão da amurada e resolve tomar sua refeição,de fome não morrerá...

Já fez tanta coisa que até se esquece. A idade chegou e seu valor se foi como as águas da barragem. Tira da bolsa o avental e lança ao vento, já não tem valor. Como um pássaro em vôo desgovernado a peça se vai ao sabor do vento até ser tragada pela correnteza.Compara sua trajetória de vida ao destino que deu ao avental e resolve então findar o sofrimento que o consome. Calmamente levanta-se, dá as costas à represa e segue rumo ao lar. Amanhã vai ser outro dia...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 14/07/2006
Reeditado em 12/08/2007
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