Criativo e inútil
À C. Fabra
Este pântano não foi abençoado. Fico sozinho na sala. É noite. Penso na lua; e a lua, atrás da cortina, assiste em meu rosto a natureza empática. Insetos riscam enviesados restos de linhas na sombra pardacenta. Bate uma brutal saudade de antigamente. Ah, os amigos de antigamente! Pode parecer lirismo derramado, mas a solidão é um soneto que não deu certo. É como a sala exâmine e eu semimorto. Criativo e inútil.
Devia haver um telefone especial para cada homem que quisesse trabalhar. (Só na guerra o emprego é solidário). Devia haver um nome esperando por alguém. Devia existir um aparelho confiável que revelasse aptidões. Alguém que viesse apanhar o talento plantado debaixo do sonho. Alguém de verdade nessa cidade composta de latifúndio e pântano onde os homens são empurrados ao degredo. Se existe miséria é porque o trabalho empobrece... A sala vazia é uma das versões modificadas desse degredo. O ar honrado do desempregado lembra o dia molhado pela chuvarada. Lembra o sossego imposto pela terra inovada pela chuva. Único consolo integrado.
Segue olhando o escritor ribeirinho para dentro do desprezo do mundo interrogado, sem revistas, sem jornais, sem escolas, sem telefonema cordial, sem respostas. Devia ter sido padeiro, leiteiro, vendedor de sonhos e pastéis. O que é ser escritor em meio ao latifúndio cercado pelo pântano? Latifúndio alheio, charco medonho. Lucro de poucos, alimento de muitos.
Escritor é função que mal se define entre o rumor da noite. O escritor é carcereiro. Carcereiro insone de quase um maço de cigarros.