SÉRIE: CRÔNICAS DA MADRUGADA - 04 (A Ditadura Democrática)
Honestamente eu já tentei acreditar que a Democracia seja democrática, mas o Brasil, com seu notável exemplo de corrupão endêmica (ou seria epidêmica?) insiste em me demover dessa ilusão.
Desde que fomos saqueados pelos portugueses adquirmos diversas formas de enfermidades sociais, as quais passam por mutações óbvias, em função de aspectos genéricos e inevitáves, porém conservando intrinsecamente traços indeléveis de uma herança nefasta e quase inerrante em sua missão de comprometer toda a estrutura moral de uma nação inteira.
Bons tempos aqueles em que a selvageria consistia em comer a carne humana. Hoje o apetite, que se agigantou ao longo de meio milênio, prefere o aroma condimentado pela lei do estupro à cidadania, pela subversão de direitos naturalmente universais, como educação, saúde e moradia e pela égide de um discurso hipócrita que fala numa liberdade que em verdade sempre nos manteve atrás das grades.
Bom seria, também, se essas grades fossem metálicas. Talvez uma iluminação tipicamente gatuna nos tirasse delas. O problema é que estamos presos a conceitos e padrões impostos por conspirações extremamente poderosas, que atuam nos mais diversos campos intitucionais, que se ramificam fortemente na mídia, nas produções artísticas e folclóricas, que maculam a literatura e que envergonham o livre arbítrio creditado pelas mãos do Criador.
Aliás, nem Ele (O Criador) está insento de ser tributado por aqui, de passar por uma fila até ser achado pela minoria que prefere a riqueza de sua Glória à fortuna prometida pelos louros da ambição nacional. Aqui a honestidade é tida por burra e a ambição é alavancada ao nível da sabedoria.
O Brasil é um lugar lindo, de recursos inesgotáveis, de paisagens paradisíacas e de minúsculas incidências catastróficas no que diz respeito à fenomenologia metereológica, porém sucumbe aos abalos sísmicos da ganância sem freios e padece afogado sob tsunamis diárias de escândalos financeiros e amorais.
Mas há quem diga que esse é o preço da Democracia.
O que seria ela pois? Será que a madrugada solitária me responde? Será que esse silencioso céu repleto de estrelas magnificas que avisto agora me aliviaria dessa angústia e me daria algum sentido a um sistema que se diz republicano e um regime que se arvora democrático, mas que impõe o submundo à sua gente? Será que devo ficar cego aos seus incontáveis tentáculos, espalhados por todas as esferas do poder, os quais, famigerados que são, seduzem à locupletação, induzem ao fisiologismo partidário, à concepção de hierarquias oligárquicas e à banalização politiquista estabelecida em nome da governabilidade?
Pensemos no poder executivo, em suas esferas federal, estadual e municipal. Seus cargos, suas representações, suas divisões. Quantos sangue-sugas nela engordam sua voracidade?
Pensemos no poder judiciário e seus suntuosos palácios que abrigam gente de nariz empinado, que atendem as causas buguesas e desmerecem o clamor da miséria. O mesmo cujas cortes de poder maior são ocupadas por magistrados indicados pelo executivo e mesmo assim se dizem independentes para julgar suas mazelas. Pensemos, ainda, no poder legislativo, predominantemente ocupado pela elite empresarial dominante e ávida por lucros. Lembremos que sua fama abjeta não é exagerada, mas eles (seus ocupantes) não são extraterrenos e sim fruto da mesma sociedade que massacram, a qual produz em série novos exemplares dessa vergonha nacional.
Pensemos nos órgãos de imprensa, maciçamente dominados por grupos políticos e sem a mínima autonomia editorial. Na TV que nos programa e aperta seu controle remoto para decidir como nos vestiremos, no que creremos e em quem votaremos.
Pensemos numa nação que obriga seus cidadãos a votarem em quem lhes furtará logo em seguida sob a pena de duras retaliações.
Pensemos no modelo de saúde pública de um país que obriga o pai de família a ver seus entes falecerem sem atendimento decente, exceto se vender as próprias calças para pagar um atendimento privado repleto de restrições, desigualdades e muito aquém do poder aquisitivo da maioria.
Pensemos no buraco negro educacional que cresce sob a lógica de que não pode alimentar um monstro com potencial de insurgência futura, a saber, a consciência política.
E pensemos, ainda, na implícita filosofia de castas sociais, deflagrada por entidades e pessoas mal intencionadas, midiáticas, modernistas ou demais vãs instituições, que ensinam o pobre desse país a se conformar com pão e água e/ou a preferir fazer ladainhas ou desfilar na escola de samba do que se mobilizar quando nem esse pão e água lhe alcançam.
O mundo está repleto de péssimos exemplos de regimes totalitaristas, arbitrários e sangrentos, que usurparam e agrediram a dignididade humana em suas mais diversas vertentes. Mas se eu puder apontar algum valor nisso tudo (se é que há), eu diria que foi a clareza de suas intenções, pois os grandes ditadores da história botaram as mangas de fora logo que lhes foi conveniente.
Mas aqui chega a ser pior, pois aqui o massacre é legitimado, o assassinato em série é velado pelas estatísticas da miséria, a mordaça se disfarça de imprensa livre, a tirania se traveste de eleições e a ditadura atende pelo nome de Democracia!
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