PARA MEUS FILHOS: 20/11/05
  
 
       
          Dias conturbados, situações novas em família nada positivas. Noite, a filha que segurou a data e sua emoção no dia todo, me diz:

     “_sabe que hoje faz quatro anos que papai morreu?”

      Olho pra ela. Incrédula: _ “Já?” 

     

      E abaixo a cabeça pensativa, lembrando dele e do que me fez. E digo de volta: _ “ele me fez infeliz, mas dentro do papel que me coloquei mudando de ser, eu acho que ele me passava proteção; sim eu sentia segurança protetora dele. Isto era bom, quase compensava tudo que não me deu ou tudo que me tirou. Nunca sei o tudo e tanto que ele me fez. Talvez meu inconsciente tenha criado um papel para ele, já que ele criou um novo papel para mim. Um desencontro tentando restabelecer um encontro mútuo.
         Agora, aqui escrevendo, conscientizo que ele me tirou toda a segurança que eu sentia em mim. E, sem perceber, eu transmiti a necessidade de proteção e nele depositei tal necessidade que antes eu não tinha. Que aconteceu comigo, meu DEUS?
         Não interessa mais nada disso, pois é passado e ele já morreu há quatro anos. Nos três últimos meses de sua vida e quando fiquei sabendo que estava doente, mal, e com hemodiálise já há um ano, imediatamente desci do sítio e fui direto a casa dele. Bati à porta, ele abriu, era um velho fraquinho, quase irreconhecível. Dei-me a conhecer e ele não sabia quem era. Lembrei, lembrei e fui entrando e levando-o a sentar no sofá tal a fraqueza evidente dele mal se agüentar em pé.
          Sentados, ele desabafou suas dores físicas, seus sofrimentos, confiante como um menino de quatro anos e abandonado. Fiquei penalizada e o confortei com palavras boas. Depois, levei-o devagar para se deitar na cama. Meu filho entrou no quarto e seu olhar me acusava ou condenava, nunca vou entender meus filhos. Talvez me olhem pelos olhos do pai. Ignorei o filho e falei pro pai, na cama: _ “posso te dar um abraço?” Era um encontro que estava se processando e que nunca houvera. Um encontro no quase adeus. E ele: _ “Se você me ajudar a me erguer?” E o tomei nos braços. E o puxei, e o abracei demoradamente confortando e beijando sua face com carinho adoçando e fazendo esquecer qualquer lembrança ruim do passado, pois eu o estava perdoando de todo mal que me fez, confirmando tudo esquecido e tornado menor, e ele se abrigou ali naquele enlace de perdão, de doçura compreensiva, demoradamente e realmente sentida de ambas as partes.
         Era o casamento terminando “até que a morte os separe, como assinei confirmando com toda a seriedade e verdade que sempreme constituiu para a vida toda".