A INFECÇÃO

Na interminável caminhada, do portão à última morada, no silêncio da chuva que caía sobre nossos corpos, na nudez daqueles rostos melancólicos que perseguiam o séqüito... Sob o carro que aliviava a carga do pesado esquife, aquela roda má engraxada que com seu ranger paulatino martelava nossas cabeças como martelo e bigorna, marcando o compasso das lentas passadas.

Quizéra eu que ali o tempo parasse e este pesadelo se desfizesse. Que Deus colocasse aquela roda marcando o tempo para traz, em segundos, minutos, horas, dias...

Quizéra eu que o tempo daí parasse em outra época, com você ao nosso lado, que sempre trazendo um sorriso nos lábios nos fazia rir e às vezes até chorar de tanto riso.

Ah!... Se o tempo parasse... Prenderíamos para sempre este teu jeito meigo de ser, a tua maneira de nada reclamar e esta tua paciência das lamúrias ouvir, sem pender para A ou B, mas sempre tentando somar ao invés de dividir.

Se em outra época o tempo parasse, sentaríamos ao teu redor para ouvir tuas histórias, que mesmo repetidas à tua maneira nos envolvia, fazendo esquecer as agruras do mundo lá fora.

Mas o tempo não parou e aquela roda ali embaixo continuava a marcar passo a passo esta rija realidade.

É duro o preço pago por esse momento, e é mais pesado ainda o tributo pago à incompetência, ou a negligência, ou ainda a quaisquer outras “ências” que o levaram de nosso convívio. Mas é preciso quebrar o silêncio que envolve as muralhas de um sistema que se veste de branco e às vezes cura, quando não procura comercializar seus parcos conhecimentos, que nada significam diante do infinito de sua verdadeira ignorância.

Perguntamos, se o que levou sua carne, não foi a infecção de um sistema que já contaminado por tantas “ências” tem agora somada a voracidade da ganância, que faz com que as leis existentes pareçam apenas conchavos em brincadeira de criança.

Ah!... Se o tempo parasse, e pudéssemos nós extirparmos todos esses vírus de nossa sociedade que hipocritamente se escudam nas instituições firmemente constituídas para solapar os menos avisados.

Desculpe-nos Tio, mas ainda no silêncio da tua última morada estarás a nos escutar com tua sabedoria, na luta que agora se inicia para que outros não sigam o mesmo destino, marcados pela infecção que chamam hospitalar...

Ah!... Se o tempo parasse...

Julio Saddock
Enviado por Julio Saddock em 13/07/2006
Reeditado em 19/09/2012
Código do texto: T193460
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