Feijão mexido e Massa à carbonara

Ah, o apetitoso feijão mexido e a deliciosa massa à carbonara do Van Gogh! Tendo provado uma vez, quem pode esquecer? Foi nos primórdios de 2007, quando eu tocava com os Gulivers. Ainda tentávamos achar um lugar pra gravar o disco e recebíamos um novo baterista. Complicado isso. Mas o mais complicado eram os horários do pessoal. Acabava que ensaiávamos das 22h até o anunciar da meia-noite, num estúdio nas ruas arborizadas e mal-iluminadas do Bom Fim.

Depois de tudo, cansados e esfomeados, íamos comer no único restaurante próximo que ficava aberto á tal hora: o famoso Van Gogh, de frente pra Redenção, com sua famosa sopa de cappelletti no inverno. Escrevia-se assim mesmo, com dois pês, dois éles e dois tês, mas agora não sei mais. Mas antes que o inverno chegasse, íamos lá para uma refeição calórica de madrugada, pois, além do fator horário, o Van Gogh tinha os menores preços da época! A massa à carbonara era apenas R$12,00 a porção inteira! E uma porção servia dois, tranquilamente. E não era qualquer massa à carbonara, era a massa à carbonara do Van Gogh! Podia se sentir o gosto do ovo, o bacon perfeito, crocante por fora e macio por dentro! Pra completar, pedíamos uma porção de feijão mexido, pela risória quantia de R$4,00!!! Também servia dois e sobrava!!

Então, como éramos quatro, adentrávamos o lugar no início da madrugada, rindo, cada qual com seu instrumento nas mãos – não confiávamos deixa-los no carro –. Sentávamos numa mesa, os quatro músicos, fazendo pescoços torcerem e cabeças virarem em nossa direção. De lá do balcão vinha o garçom, talvez o mais velho de toda Porto Alegre, parecia um juiz de boxe antigo, ou um Quasimodo, corcunda e lento, sem sua torre. Tinha dificuldade de ouvir, então gritávamos os pedidos:

- Duas porções de massa à carbonara e duas de feijão mexidoooo!!

- Aquela bem caprichada! – lembrava alguém, sempre.

Ficávamos nos deliciando com conversas e Serramaltes até que aterrissavam em nossa mesa os pratos fumegantes. Também vinham duas compotas com queijo ralado e tempero verde. Já ficávamos salivando enquanto o outro se servia. Que maravilha era!!

Uma noite dessas fomos lá e, para nossa surpresa, tudo parecia diferente. Os velhos músicos ébrios do Bom Fim não figuravam mais por lá. Os cartazes de festas vindouras não estavam mais nas paredes. O cardápio era novo e plastificado. E o preço, o preço foi a mudança mais significativa. A porção de massa à carbonara estava R$24,00! A do pobre feijãozinho mexido, R$10,00!!

Levantamos, giramos nos calcanhares e fomos embora de lá, para nunca mais voltar. Hoje, o Van Gogh virou um barzinho famoso para turistas. Até Rodrigo Amarante do Little Joy me disse uma vez que, quando em Porto Alegre, ele nunca deixa de comer a sopa de capeleti do Van Gogh. Capeleti, agora grafada sem nenhuma dobra.

Em Porto Alegre, as coisas mudam demais. Toda hora, vêm e vão. Como os Tchecos e os Fernandões da vida, mas a vida segue. O temporal vem, destrói algumas casas, derruba algumas antenas, verga algumas árvores, mas nós não deixamos de viver, no fundo da América do Sul. Talvez a única coisa que se mantenha em pé, apesar de chuva, tempestade, neve, granizo e preços que se ajustam ao mercado, seja mesmo o velho Quasimodo que é garçom no Van Gogh. Esse sim, é patrimônio cultural da cidade.

Fábio Grehs
Enviado por Fábio Grehs em 20/11/2009
Código do texto: T1934553