QUILOMBOS MODERNOS

QUILOMBOS MODERNOS

Jorge Linhaça

A palavra "quilombo" tem origem nos termos "kilombo" (Quimbundo) ou "ochilombo" (Umbundo), presente também em outras línguas faladas ainda hoje por diversos povos Bantus que habitam

a região de Angola, na África Ocidental.

Originalmente, designava apenas um lugar de pouso utilizado por populações nômades ou em deslocamento; posteriormente passou a designar também as paragens e acampamentos das caravanas que faziam o comércio de cera, escravos e outros itens cobiçados pelos colonizadores.

Foi no Brasil que o termo "quilombo" ganhou o sentido de comunidades autónomas de escravos fugitivos. Havia escravidão, porém, em alguns quilombos.

"Um quilombo era um local de refúgio dos escravos no Brasil, em sua maioria afrodescendentes (negros e mestiços), havendo minorias indígenas e brancas. " Fonte: Wikipédia

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Embora já vá longe o tempo da escravidão oficial, cumpre-nos uma singela análise das condições enfrentadas pelos afro-descendentes em nossa sociedade e em muitas outras.

Provavelmente a minha condição de caucasiano não me torne a pessoa mais gabaritada para falar sobre o assunto e portanto posso incorrer em algum equívoco ao longo de meu texto, no entanto, talvez fosse um equívoco maior furtar-me a expor a minha visão, ainda que fragmentada, sobre o assunto. Obviamente o que vou aqui escrever é fruto de minha observação pessoal e experiências ao longo de minha não tão longa vida.

O fato é que, falar de afro-descendestes remete-nos imediatamente à percepção de que a sua esmagadora maioria encontra-se entre as camadas menos privilegiadas de nossa sociedade.

Em linhas gerais pode-se dizer que, apesar de alguns tímidos avanços nos últimos anos, pouco modificou-se nesse quadro. Por outro lado não podemos incorrer no equívoco de considerar que tudo que acontece com os negros e mestiços deva-se, hoje, exclusivamente à cor de sua pele. Existem muitos ditos brancos que padecem das mesmas mazelas sociais. Dessa maneira podemos dizer que, de certa forma, reproduz-se hoje o que acontecia nos antigos quilombos.

Verdade que a nossa sociedade tende a reproduzir modelos europeus de comportamento e portanto os" valores" estéticos acabam por subtrair dos afro-descendestes oportunidades de trebalho, muitas vezes maquiadas sob a exigência de "boa-aparência" para o exercício de determinadas funções. O preconceito velado não é exclusivo da parcela branca da população, existe um certo "preconceito às avessas" que também contribui para uma maior morosidade em se estabelecer uma sociedade mais igualitária. Dentre os próprios afro-descendestes existem aqueles que, por algum motivo pessoal , carregam em si certas restrições em relação aos seus pares.

Em termos culturais, o reconhecimento às contribuições dos descendestes dos povos africanos é algo recente, até bem pouco tempo encarava-se com certa curiosidade e até mesmo suspeição as manifestações culturais, de uma riqueza longe de ser totalmente explorada. Como em relação a muitas outras coisas, foi preciso que houvesse antes um reconhecimento internacional para que no Brasil se começasse a valorizar o que sempre esteve à nossa vista.

Os quilombos modernos, como aqui optei por designar grupamentos sociais, nem sempre seguem rígidas fronteiras geográficas, muitas vezes seus integrantes estão fisicamente distantes dos seus pares.

Embora existam os chamados "guetos" em algumas regiões, a atuação ( positiva ou negativa ) de seus integrantes se faz presente muito além de seus limites geográficos.

A formação de tais "novos quilombos" não se faz exclusivamente pela cor da pele de seus habitantes, hoje isto está profundamente ligado a questões sócio-econômicas.

Tornar-se um mundo dentro de outro mundo, traz em si a vantagem de se fortalecerem valores e a própria identidade cultural de seus integrantes, no entanto não se pode incorrer no erro de cerrar as fornteiras desse micro-cosmo ao que acontece no mundo real. Algumas vezes esse tipo de comportamento acaba por, ao invés de alavancar a justa luta pela igualidade, marginalizar os seus integrantes pela falta de uma interação mais positiva com os demais grupos sociais.

Vejo com temeridade algumas " concessões" feitas pelo governo aos afro-descendentes, não que não tenham o direito de receber melhores condições mas, a forma como isso tem sido realizado talvez não seja a melhor. O sistema de cotas, seja ele em que área for, acaba por gerar a falsa impressão de que os afro-descendentes garantem suas vagas, não por sua própria competência, mas sim devido à benesse do "senhor do engenho" que reservasse algumas vagas de aprendiz de algum ofício a alguns de seus escravos.

No caso das universidades por exemplo, creio que seria mais proditovo, em termos de auto-estima dos afro-descendestes e de qualquer outro aluno vindo das camadas socias menos abastadas, que se criassem, talvez, cursos pré vestibulares de boa qualidade, direcionados a essa população, que lhes permitisse disputar em condições de igualdede de oportunidade a vaga com os demais candidatos. Assim evitariam-se os comentários do tipo: "Só entrou por que tinha vaga reservada" ou pior ainda " Entrou por que era o "menos pior" dos candidatos às vagas disponibilizadas pelo sistema de cotas. Dizer que não existe esse tipo de comentário ou pensamento, seria o equivalente a dizer que o preconceito não existe em nossa sociedade.

Nesse sentido, de maneira imediata, o sistema de cotas acaba por reforçar o preconceito existe na mente de algumas pessoas.

A luta pela consciência negra vai muito além da disputa por espaço dentro da sociedade, passa principalmente pelo desenvolvimento da auto-estima do povo que não pode ficar refém de políticas que podem fomentar dúvidas quanto à sua capacidade de progredir pelos seus próprios meios.

Compreendo que exista uma necessidade de procurar acelerar esse processo e, a longo prazo, pode ser que o sistema de cotas, conforme mais profissionais forem

se formando e desenvolvendo um bom trabalho, permita que contribuam significativamente para servir como bons exemplos de como é possível superar os obstáculos encontrados ao longo do caminho através do esforço pessoal seja lá qual a cor de sua pele.

Tenho, além de vários amigos, três filhos afro-descendentes e por isso preocupo-me com todos estes questionamentos e outros.

No caso de meus filhos e de outros, a situação é, de certa forma, mais complicada pois sofrem alguma discriminação dos lados da moeda.

Minha filha mais velha, por exemplo, foi impedida de declarar-se negra em uma universidade mantida pela comunidade afro-descendente apenas pelo fato de ter

a pele um pouco mais clara do que a de outros candidatos.

São coisas de um país que ainda busca a sua própria identidade e no qual dependemos de critérios subjetivos quer por parte de negros quanto de brancos.

Para finalizar, deixo o meu abraço à todos os afro-descentes juntamente com a minha esperança sincera de que a cada dia mais, todos nós, independente da cor

de nossas peles, aprendamos a caminhar de mãos dadas com o objetivo de cosntruir uma sociedade mais justa e igualitária para os nossos descendentes.

Arandu, 20 de novembro de 2009

Dia Nacional da Consciência Negra