VIDA DE PEÃO- ALMOÇO DE ESTAGIÁRIOS

Fui um dos últimos a chegar à cidade. Já tinha mais de vinte estagiários naquela leva que todo início de ano as empresas contratam para dar uma sugada em forma de aprendizado. É o mal necessário que faz bem no fim das contas. Então procurei um lugar para me alojar. Não conhecia ninguém, desembarquei na rodoviária com um bilhetinho da psicóloga da empresa que havia entrevistado os outros e me deu a indicação de uma república onde alguns deles estariam morando. Me receberam lá provisoriamente pois só havia vago o quarto designado para empregados no minúsculo apartamento que já estava abrigando cinco àquela altura. Pelo menos na primeira semana tive que dormir em diagonal. O quarto era tão pequeno que se eu fechasse a porta teria que dormir como um feto. Deixava as pernas sobrando para fora. Foi minha primeira implicância que tive na vida com a discriminação das construtoras. Imagino que eles calculam que se for trabalhar no local uma pessoa dos serviços domésticos, um teste eliminatório já começaria pelo tamanho. Se fosse alguém a partir de 1,70m não caberia.

Uma mina de fosfato, uma usina de beneficiamento e as instalações de auxílio à produção, típicos de uma mineradora de médio porte. O refeitório ficava próximo da oficina, do escritório e laboratório, porém muito distante da mina propriamente (onde se extraía a matéria prima). Então, os que lá trabalhavam recebiam suas marmitas no local. Depois de feitas as amizades, levávamos para casa as que sempre sobravam . Alguém que levava a sua comida de casa ou quantidade a mais que o restaurante enviava. De forma que quase todos os dias nós tínhamos o jantar garantido. A essa altura eu mais um colega já tínhamos conseguido um barracão pequeno para alugar próximo do centro da cidade. Ali, esquentávamos a comida à noite e depois de umas cachaças na vizinha dona do boteco para aliviar as saudades de casa, jantávamos.

Aos finais de semana, quando não tínhamos dinheiro para visitar os pais ou namoradas distantes, ficávamos ou trabalhando, o que era uma forma de garantir a comida também ou procurávamos lugares onde se servisse comida de boa qualidade e a preços acessíveis.

Haviam inaugurado um novo restaurante em uma antiga casa bem no centro da bela Araxá. E lá fomos num domingo todos os 23 estagiários para um almoço coletivo de parcas verbas. O restaurante servia em refeições individuais e o self service era apenas dos pratos frios e saladas, que diziam não ser cobrado. Tentamos comer, então apenas salada, mas nos disseram que não era cobrado apenas de quem pedisse a refeição completa. Ah, bom!

Um senhor de meia idade, sozinho havia pedido uma lauta refeição e creio estar de mal com a vida pois mal tocou na comida, pedindo a conta em pouco menos de 15 minutos de luta com aquele exagero. Um dos colegas mais afoitos e cara-de-pau foi então ao garçom e solicitou a comida que o moço havia deixado, alegando que esta estava intocada, sem babugem como se dizia . O garçom alegou que não poderia autorizar uma vez que a comida teria que ser devolvida e descartada. Não era prática comum no lugar. Não satisfeito, foi até o gerente reiterar o apelo ao que ouviu a mesma cantilena. Segundo ele, seria um crime contra os padrões sanitários e a comida tinha obrigatoriamente que ser jogada fora. Como a fome não é vencida com argumentos e o dinheiro sendo escasso resolveu apelar à última escala do destino da comida antes da lixeira: o pessoal da cozinha. O garçon já estava recolhendo tudo e colocando naquele balcãozinho de acesso à cozinha e ele lá foi argumentar com a senhora que a recebia e travou-se o diálogo apelativo:

- Dona, eu sei que a senhora não vai ter coragem de fazer uma coisa dessas. Deixar esse monte de rapazes famintos e jogar no lixo uma comida que mal foi mexida?

- E quem lhe disse isso? Ela respondeu questionando.

- O garçom e também o gerente.

- Que que é isso meu filho, se a gente jogar fora eles até nos mandam embora! Isso aqui nós temos que reaproveitar!

Comemos a refeição paga. Acho que foi a mesma que o moço deixou, inteirada com outro tanto suficiente para vinte e três estagiários famintos.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 20/11/2009
Reeditado em 20/11/2009
Código do texto: T1933748
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