A BANDINHA INFERNAL

A princípio, alegrou-me avistar a bandinha tocando marchas no meio do povo aglomerado sob a já tão conhecida e badalada Rua Coberta. Vestidos com roupas coloridas, o rosto pintado de palhaço, os membros da banda iam andando de maneira engraçada, tocando trechos de músicas diversas e chamando a atenção, despertando sorrisos, fazendo pessoas acenar, abraçar-se repentinamente sem motivo e, até mesmo, derramar discretas lágrimas. Acompanhado de minha esposa, também acorri a vê-los deixando seu recado musical e espalhando a alegria, assim como os demais querendo estar perto para usufruir de suas melodias ecoando em cada coração presente. Víamos todos tocados de verdadeira fascinação pois os acordes saídos dos instrumentos acordavam pensamentos de deleite e retiravam do mais recôndito d'alma o êxtase esquecido.

Todavia, num repente paralisado e não conseguindo entender a razão do que presenciei em seguida, estanquei boquiaberto. O intuito da bandinha, logo de chofre nós percebemos e isso nos deixou alarmados, não era simplesmente difundir sons melodiosos nem espalhar alegria, mas sim, ridicularizar qualquer um que lhe caísse nas mãos. Porque quando na iminência de perto dela chegar vi a espantosa manobra que fez para encurralar um senhor baixinho e careca acompanhado da esposa, recuei estarrecido. Os caras da banda cercaram o pobre sujeito sem lhe dar nenhuma chance de escapar e começaram a tocar músicas de duplo sentido tipo: "olhe a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?..." E o cidadão, coitado, constrangido e sem ter como fugir dos músicos descarados, esboçou sorrir meio amarelo, tentou ensaiar trôpegos passos de dança para demonstrar seu espírito esportivo e foi pior. Os músicos bruscamente pararam de tocar como se entediados com a reação que esperassem do cidadão preso em suas malhas, mas logo depois, visando de maneira acintosa pô-lo em ridículo, imaginem só, tascaram em alto e bom som aquela famosa música que hoje é quase um hino dos travestis. Lembram dela?

A esposa da desfigurada vítima da banda infernal olhava perplexa a cena absurda, os circunstantes riam divertidos e zombeteiros - não era com eles! - e o atoleimado infeliz apenas se deixava levar pelo desconforto da indignidade contra ele praticada, já agora não mais tentando fugir dos endiabrados músicos porque não adiantava, não lhe davam chance para escapar. Quanto mais procurasse uma brecha para sair daquele cerco estúpido mais o impediam e mais fragmentos de músicas maliciosas tocavam para fazer dele o bobo da vez. Usando do senso comum, procurei ver-me na pele do desgraçado que aleatoriamente fora escolhido pela banda para tornar-se o palhaço do momento para divertir a turba excitada, e nasceu-me no coração a raiz da misericórdia que não tiveram com ele.

Aturdido e compadecido do coitado a quem obrigaram a ser bufão em pleno espaço público de uma linda e charmosa cidade turística como Gramado, achei por bem sair dali, deixar de ser espectador daquela triste imbecilidade permitida, não compactuar com idiotas que tratam o seu próximo como se fossem papalvos de quem se pode tirar o maior sarro sem qualquer consequência. Não sei como terminou o desumano espetáculo, era tudo muito deprimente. Dali fomos apressados apreciar as lojinhas de artesanato onde podíamos encontrar inúmeros souvenirs com motivos natalinos, porém foi impossível não guardar na memória tamanho absurdo protagonizado por quem precisa respeitar e agradar com gentilezas e amabilidade os turistas que chegam à sua cidade.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 20/11/2009
Reeditado em 14/04/2013
Código do texto: T1933627
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