A nova gramática brasileira
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Publicado no Jornal Letras Santiaguenses, edição Nov/Dez 08
Dia desses, ao observar o professor de gramática discorrer sobre orações subordinadas e coordenadas, num daqueles momentos que entramos em ‘off” na sala de aula, brotou-me a idéia de escrever uma nova gramática.
Como assim, ‘nova gramática’? É bem simples, expliquei ao Antônio, colega da classe e sempre curioso pelas minhas mirabolantes idéias. Vou transformar a nossa gramática num conjunto de regras mais atualizadas, próximas da realidade, simples como a fala.
Os senhores gramáticos que me desculpem, mas me apeteço pela lingüística, onde não nos prendemos tanto ao texto etiquetado, engessado e hermético, mas às inúmeras significações que cada enunciado carrega consigo, preocupando-se sobremaneira com a individualidade das pessoas.
Já vislumbrei, Tonho, uma “Nova Gramática Brasileira – Atualizada e Revisada”, por Giovani R. Gelati. Bonito, não? Dá-me alto grau de importância. Muito mais que meu intelecto possibilita, mas como estou apenas no mundo das idéias...
Imprimirei milhares de cópias e as deixarei nos balcões das bibliotecas municipais, em universidades e em especial, na porta do MEC, imitando os passos de Lutero. Será que a repercussão será tão grande quanto a do religioso?
Chega de exceções e diversas letras com milhares de fonemas. ‘Chuva’ passa a ser ‘xuva’ e todo som de ‘ch’ e ‘x’ possuirá apenas um correspondente na grafia, o próprio ‘xis’. Seguiremos o lema “uma letra, um fonema”. ‘Taça’ perderia aquela aberração do alfabeto, o cedilha. A partir da minha “Nova Gramática Brasileira”, tomaremos vinho em ‘tasas’ e poderemos saborear o gosto da nova escrita. Obviamente, se lhes pareceu estranho, a ‘tasa’ possui apenas um ‘s’, pois se quisermos som de ‘z’, usemos o próprio ‘z’.
Longe de mim as tuas idéias!, pronunciou Antônio, num asco de apavoramento. Vais modificar toda a nossa língua! Assim até os teclados terão que mudar, pois tu estás cortando acentos, o cedilha e tudo mais, acrescentou.
Respondi-lhe que sou mercenário e que antes de lançar a minha brilhante publicação, farei contrato com toda a rede que lucrará com as novas impressões devido a minha idéia. Fabricantes de teclados e editoras de dicionários e livros didáticos já garantirão uma gorda aposentadoria.
É uma idéia um tanto absurda que interferiria na vida de todos: daqueles que já escrevem, dos que estão aprendendo e daqueles que ensinam os que estão aprendendo. As bibliotecas serviriam de museu e Luís Fernando Veríssimo seria um cara brilhante que uma vez escreveu bem. Agora teria que rever seus conceitos e, sobretudo, sua gramática.
Não seria praticamente a mesma insanidade, caro leitor, propor uma mudança ortográfica visando a unificar a grafia das palavras aqui no Brasil, em Portugal, Moçambique e mais cinco países? Vamos cortar o circunflexo “^” da palavra ‘vôo’, tiremos o hífen de ‘anti-religioso’ assim: ‘antirreligioso’, mas deixemos o hífen em ‘hiper-requintado’.
Estamos realizando uma custosa reforma para manter as exceções nas regras? Desculpe a ousadia, mas se eu e os demais loucos que inventaram e aprovaram essa lei de unificação da ortografia disputássemos um assento no manicômio, tenho a plena certeza que a vaga seria deles. Querem maior sandice que propor bestiais 0,5% de mudanças na gramática? Como diz o Dr. Cláudio Moreno, são propostas “insignificantes para trazer uma verdadeira melhora no sistema, mas amplas o suficiente para perturbar a vida de todos nós”.
Isso acarretará aos Governos Federal, Estaduais e Municipais gastos de milhões de reais na aquisição de novos livros didáticos através de licitações. E por que tudo isso? Para que uma minoria, gananciosa e influente, ganhe dinheiro com a venda de novos livros, em substituição aos atuais que estarão desatualizados. Prova da existência de mais interesses comerciais que educacionais na reforma é a incrível coincidência de haver sido o já falecido filólogo Antônio Houaiss, um dos autores do Dicionário Houaiss e mais duas enciclopédias, a Delta-Larousse e a Mirador Internacional, o principal negociador brasileiro do acordo ortográfico desde o início das reuniões na década de 1980.
Talvez pouco ainda possa ser feito e é improvável que a dita “reforma” (entre aspas, sim) não seja posta em prática. Ainda assim, não deixa de ser uma prova cabal de que as atenções à educação não estão fluindo como deveriam. Não há preocupação com o orçamento para a educação básica e infantil, a metodologia do ensino, a evasão escolar, a reposição salarial, a inclusão digital nas escolas. Todos esses assuntos curvam-se para uma insignificante mudança de acentos, de uma letra por outra. Uma triste realidade que desce quadrado pela garganta.