O DIA DA CONSCIÊNCIA MORENA
Será que eu existo mesmo? A questão é mais que uma crise de identidade. Na verdade, sou um cearense que não existe. Para que eu possa sobreviver, como cearense, tenho que deixar de ser negro. Porque sempre me disseram que não existem negros no Ceará. Mesmo sendo bisneto de uma africana, guardando fortes traços de minha afro-descendência, nunca consegui ser um negro de verdade no meu Estado. No Ceará, negro para ser negro legitimo, tem que ser baiano. Aqui eu sou moreno. Alguns me acham moreno escuro, outros, moreno claro, porém não passo de um moreno.
Não sei onde arrumaram esse medidor de negritude cearense. De qualquer forma esse aparelhinho está com defeito, pois não reconhece um negro na sua terceira geração.
Às vezes, na escola, apareciam uns gaiatos que me chamavam de “negão”, “tição”, “rolo de fumo”. Eu adorava esses apelidos. Só assim me sentia mais parecido com o cara do espelho. Chequei a desejar ter nascido mais bem pretinho mesmo, do cabelo pixaim –
Que chamam de cabelo ruim, não sei por quê. O que é um cabelo ruim? – só para poder tirar a carteirinha de negro de verdade.
No Ceará é assim, não tem dia da consciência negra, no máximo uma consciência morena (clara ou escura?). Esse dia não é feriado e no máximo, uns negros bem baianos, reivindicam um monte de coisas e os cearenses fingem que escutam.