VERDADES E MENTIRAS

VERDADES E MENTIRAS
Jorge Linhaça

A verdade é algo a que nos desacostumamos ao longo desta jornada terrena.
Quando crianças, ainda impolutos das ditas relações sociais, temos a liberdade
de dizer aquilo que pensamos sobre o que é bonito ou feio, chato ou legal.
No entanto logo somos reprendidos pelos mais velhos pois " não fica bem dizer que
a tia fulana é gorda, ou feia ou chata"

Estabelece-se aí um paradoxo dos mais devastadores na formação do ser humano:

Nos dizem repetidamente que é feio mentir, que papai do céu castiga, que o nariz cresce, etc.
Ao mesmo tempo, os tais pretensos "bons modos" impedem a sinceridade.

Passamos a crer que, para não magoar ou não criar polêmicas vale mentir.
Ah, mas são mentirinhas leves no intuito de facilitar a convivência, dirão alguns.
A verdade é que mentiras são mentiras e, tal como as drogas, viciam.
Quem de nós já não se viu, quase que obrigado a tecer elogios infundados a alguém?

O perigo maior de tudo isto é que acabamos por criar ilhas de ilusão, deixamos de
dar subsídios às pessoas para que melhorem em algum ponto.

Ao longo do tempo temos nos tornado uma sociedade hipócrita aonde se elogia
qualquer coisa apenas para receber o mesmo tratamento de volta.

Quando alguém destoa desse modo de agir, é logo taxado de louco ou grosso.

Quem se atreve a dizer a verdade é punido pela sociedade ou pelos grupos sociais,
tão acostumados a passar a vida engolindo sapos em busca de uma posição social,
que logo reagem como verdadeiros inquisidores contra os mais sinceros.

Uma das primeiras coisas que se tenta argumentar, e que de tão repetida parece
ser uma verdade aos ouvidos e olhos de quem a profere é:

Essa é a TUA verdade! Fique com a TUA verdade que eu fico com a minha.

Como se a toda a verdade fosse uma coisa absolutamente relativa e variasse em gênero e
intensidade de acordo com o bel prazer de nós, pobres mortais.

A questão é que nos acostumamos tanto a habitar a penumbra das "meias-verdades"
e do troca-troca de favores que quando alguém nos confronta com a realidade,
por mais óbvia que ela seja, sentimos um grande desconforto, tal e qual o de
alguém que sai de um ambiente precariamente iluminado e dê de cara com a luminosidade
do sol do meio dia. Nossa reação automática e imediata é cerrar os olhos e evitar a luz.

Reverter tal processo, profundamente arraigado no seio da sociedade, por certo que
não é uma tarefa que se consiga realizar da noite para o dia, mas que deve acontecer
no íntimo de cada ser humano. Quanto mais habituados ao elogio fácil formos,
tão mais difícil e dolorosa há de ser tal modificação de comportamento.

Viveremos como os cidadões daquele reino em que o vaidoso monarca quis
uma vestimenta mais bela e luxuosa do que qualquer outro.

Contratou dois pretensos alfaites que o convenceram de que o tecido que traziam
era tão preciso e especial que só poderia ser visto pelos olhos dos mais inteligentes.
O rei deixou-se levar pela sua vaidade e orgulho e, por medo de parecer ignorante
caiu no engodo dos espertalhões e mandou anunciar pelo reino que a sua vestimenta
só podia ser vista pelos súditos mais inteligentes.

No dia marcado, lá se foi o presunçoso monarca a desfilar sua "roupa" pelas ruas
da capital e todos a sua volta faziam reverencia e elogiavam o inexistente tecido
como se fosse uma obra-prima finamente tecida.
No entanto, em certo momento, uma garoto ( provavelmete um ancestral do joãozinho das piadas)
que nada tinha a ver com a hipocrisia coletiva deu um grito no meio da multidão:
O REI ESTÁ NÚ!

Foi o que bastou para que todos caíssem na gargalhada e parassem com o fingimento.

Claro que hoje em dia o tal garoto seria amordaçado pelos pais que seriam escorraçados
do meio da multidão por não saberem "educar " bem o seu filho.

Sinal dos tempos...a fábula deve ter algumas centenas de anos.

Apenas para encerrar esta crônica, gostaria de citar as palavras de Cristo:
Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!

Podemos lavar as mãos como pilatos e deixar tudo como está,
ou podemos ao menos não reagir intempestivamente quando alguma verdade
nos confrontar com nossos medos e desejos de seguir ao sabor do vento
morno do troca-troca dos elogios superfíciais e da complacência premeditada
para com nossas imperfeições.

*****
Arandu, 17 de novembro de 2009.

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