À MESTRA, COM CARINHO – por amor a Teddy
Uma das maiores escritoras que já conheci na vida, tinha mal concluído o ensino fundamental. Nunca teve nenhum de seus textos publicados, mas merecia uma singela homenagem por parte de sua maior fã: eu, sua filha.
Claudete faleceu muito jovem, aos 33 anos de idade. Minha mãe faleceu justamente na idade em que eu mesma me tornarei mãe e sinto muito que não tenha podido esperar para conhecer o neto (ou neta). Mas a vida é assim mesmo. Na época, a dor da perda era insuportável, mas com o passar do tempo e com a chegada da maturidade, acabamos nos resignando com nossa realidade e aprendendo a aceitar os desígnios de Deus. Dizem que tudo o que acontece de ruim também serve para melhorar a vida da gente. Na verdade, é muito difícil acreditar que a morte de um ente querido possa trazer algo de bom, mas foi sua ausência que me proporcionou amadurecimento e compreensão da vida. Aprendi a me virar sozinha, às duras penas, mas essa foi uma das várias lições que aprendi. Dentre elas, remexendo gavetas, encontrei cadernos de anotações que ela costumava fazer. Seus sentimentos, angústias e emoções estavam lá, traduzidos em palavras e acho que ela foi minha maior fonte inspiradora para que me encorajasse a desengavetar meus próprios escritos e sonhar com a possibilidade de um dia me tornar escritora. Foi ela que me ensinou a ter paixão por livros, através de contos infantis que ela me contava em forma de historinhas para dormir. E eu amava profundamente esses momentos.
Em um de seus últimos escritos, encontrei uma singela homenagem a meu irmão mais velho, quando este completara 18 anos. O texto falava mais ou menos assim: “Há dezoito anos atrás eu dei à luz a um carequinha, num parto muito complicado aos 15 anos de idade(...)”. O texto era lindíssimo e, confesso, rendi-me às lágrimas. Quando eu era criança, por mais que buscasse entender a situação, eu sentia um ciúme imenso dos cuidados que minha mãe dedicava especialmente a Teddy. Superava o limite da minha compreensão, quer fosse pela disputa por sua atenção, quer fosse devido à pouca idade e, por esta razão, pela imaturidade que caminha lado a lado com a nossa infância. Teddy nasceu especial: autista. Imagino a dor e as dificuldades enfrentadas por meus pais, até mesmo pelo preconceito social com pessoas com deficiência ou necessidades especiais, tão distante do que hoje chamamos de educação inclusiva. Isso sem citar os desafios de educar uma criança com uma síndrome tão incomum, sem saber o que se fazer de melhor em relação a ela. Filho não vem com manual de instruções, mas quando ele se afasta do padrão dito ‘normal”, o desafio é ainda maior: como saber a direção a seguir? Como lutar para que tenha o mínimo de dignidade inerente a todos os seres humanos num contexto social altamente preconceituoso e hipócrita? Posso estar sendo radical, mas quem sente na pele é que fala com propriedade. Não foram raras as vezes em que vi minha mãe chorar por conta de algum ignorante que debochava da maneira como meu irmão se portava, alheio aos padrões sociais comuns, nem raras as vezes em que nos indispomos com pessoas que poderiam ser chamadas de tudo, menos de seres humanos, para lutar pela dignidade e integridade física e moral desse inocente, tão indefeso para as maldades do mundo.
Hoje, dia 18 de novembro, é aniversário de Teddy. Ele tem 37 anos de idade, mas sua idade mental não ultrapassa 7 anos de idade. É uma eterna criança, que hoje sem mãe, vive á sombra de meu pai. É um menino grande que, hoje ao telefone, me pediu de presente de aniversário um trenzinho de brinquedo. Teddy jamais conhecerá certas coisas da vida. Não apenas por possuir um universo singular como todo autista tem. Teddy vive em um mundo à parte, talvez melhor do que nosso próprio mundo, pois desconhece as maldades humanas, mentiras e traições. Jamais namorou, jamais saiu com amigos para uma festinha ou para tomar uma cervejinha num bar, nem ao menos aprendeu a dirigir um carro. Tudo o que Teddy quer é o direito de ir à escola, ter seu quarto recheado de gibis da turma da Mônica, seus discos de vinil, cd’s e dvd’s da Xuxa e do bob Esponja. E comer – seu maior, se não único prazer.
Foi com minha mestra que aprendi a amar esse irmão, embora não demonstre como poderia. Foi por amor a Teddy que aprendi a amar as pessoas com deficiência e respeitá-las, a desenvolver minha pesquisa monográfica sobre Educação Inclusiva, a brigar com associações e entidades que deveriam desenvolver políticas públicas para assegurar a questão da acessibilidade e garantia dos direitos inerentes a todos os cidadãos. Aprendi, sobretudo, que a maior vergonha que posso sentir na vida, não é ter um irmão especial e sim vergonha pelo preconceito que muitas famílias e pessoas da sociedade que não sabem conviver com a pluralidade existente no mundo e desconhecem que todos somos iguais nas diferenças.