Uma Crônica para Diamante Negro
Demorou alguns meses, mas enfim cumpro a minha promessa ou aceito o meu desafio. Prometi aos meus dois filhos André e Alexandre que escreveria uma crônica para Diamante Negro. Ambos não acreditaram muito na minha palavra:
- Vai fazer mesmo, mãe? – Perguntou André incrédulo.
- A senhora se garante? – Desafiou o caçula Alexandre com ares de pouco caso.
Pois bem, aqui estou eu disposta a falar do Diamante Negro. E tenho urgência, pois Diamante Negro não está mais entre nós. Preciso aproveitar as lembranças nítidas que ainda tenho dele. Sabe como é, o tempo vai devorando as imagens retidas no cérebro e eu não possuo nenhuma memória cinematográfica. Aos poucos essas imagens vão perdendo o vigor e a frescura da juventude e a gente não consegue mais fazer uma descrição fiel do que viu.
Quase sempre de manhã, no meu caminho para o trabalho, ele estava lá (o Diamante Negro) tomando o seu solzinho. Quando o vi pela primeira vez não lhe dei a mínima importância. Na minha opinião, ele era igual aos outros de sua espécie ou talvez um pouco... Ou muito pior! Passaria totalmente desapercebido e não mereceria minha curiosidade não fosse o seu nome: Diamante Negro! Ao saber seu nome a atração foi fatal e irreversível.
De diamante ele não tinha nada. De negro, coitado, muito menos! A sua cor era muito desbotada, indefinível eu diria. Do lado de fora da residência, estático em seu cantinho, ele parecia não tomar consciência da discrepância existente entre seu nome e sua aparência. Desse dia em diante, a caminho do meu trabalho, meus olhos não se esqueciam de procurar Diamante Negro. Ao avistá-lo, ficavam analisando-o, conjeturando e tentando entender aquela situação estapafúrdia. Não o vendo, sentia falta do meu objeto de pesquisa ou fonte de bisbilhotice.
O fato é que Diamante Negro despertou o meu lado filosófico. Busquei no fundo de minha alma a explicação daquele caso estranho: “Nem tudo que reluz é ouro”, “As aparências enganam”.Uma enxurrada de ditados populares foi se aconchegando no meu espírito. E eu, toda sabichona, se sentia a tal aprofundando hipóteses, levantando teorias, elaborando argumentos... Imaginava na minha vã sapiência que tentava desvendar o indesvendável e explicar o inexplicável. Diamante Negro era Diamante Negro e pronto! Era seu nome e eternamente o seria.
Causava estranheza é claro! Porém a realidade fazia-se totalmente visível. Exposto naquele chão de areia, onde a poeira encobria-lhe toda a cor desbotada, dava a impressão de que o nome lhe havia sido dado apenas por brincadeira ou gozação. E eu ficava convicta dessa constatação. Todavia, Diamante Negro não ficava sempre ocupando o mesmo lugar e nem sempre a poeira lhe cobria a cor desbotada. Havia dias em que ele se apresentava elegante encima de uma calçada de cimento, limpinho. Não brilhava como um diamante deveria brilhar por causa da sua cor desbotada, entretanto jogava na minha cara que o nome Diamante Negro lhe era merecido. Não pela sua aparência e sim pelo seu significado. Eu quase podia escutá-lo dizer: - Viu? Sou Diamante Negro e não importa que você pense o contrário!
Terrível essa busca de explicação, esse filosofar que nos acorrentam e nos atiram em um redemoinho de dúvidas e por quês.
Levei o exemplo de Diamante Negro para a realidade humana atual. Somos todos apegados à aparência, mesmo tendo consciência plena que em sua maioria esse apego nos trazem decepções. Ilusões de ótica, amor à perfeição, admiração ao belo. Na verdade, o que será mesmo o belo? O que realmente significa a palavra beleza? É algo que nos dá prazer? É algo que corresponde plenamente às nossas expectativas visuais?
Se for parar para pensar, a beleza é algo abstrato, fora do limite de uma definição plausível e acabada. É questão de gosto e gosto não se discute. Não dizem por aí que “quem ama o feio, bonito lhe parece?” Exemplo maior eram as mães. Os filhos poderiam ser os mais feios do universo, contudo para elas (as mães) eles seriam aos seus olhos os mais lindos! Digo de carteirinha, pois sou mãe. Meus filhos são os mais lindos do mundo! E que ninguém diga o contrário! E por que isso? O amor! Sim, o amor! Tanta filosofia para chegar a uma conclusão tão palpável e óbvia! O amor é a força do universo capaz de dissolver qualquer maldade. Capaz de transformar o ruim em bom, a ofensa em perdão, o feio em belo...
Consegui chegar enfim ao entendimento a respeito de Diamante Negro. Diamante Negro se fizera Diamante Negro por amor. Não interessava que as pessoas que passassem e o olhassem, rissem ao saber o seu nome. As pessoas falariam que era ridículo aquilo, que não tinha nada a ver o nome com o seu portador, todavia a crítica não estragaria o orgulho ao nome que o portador ostentava com admirável dignidade.
Compreendi Diamante Negro e toda vez que o via, já o contemplava com nítido respeito e satisfação.
Quando Diamante Negro estava limpinho e na calçada eu pensava: Muito bem Diamante Negro! Ocupando seu lugar ao sol, heím?
Quando Diamante Negro, ao contrário, estava largado, entregue à poeira e ao chão de areia, meu pensamento era de pura indignação: Que fizeram com você hoje, Diamante Negro? Exija seus direitos do mesmo jeito que uma verdadeira pedra preciosa faria!
A questão é que Diamante Negro se transformou no centro de minhas atenções. Eu conversava muito a seu respeito com meu marido e meus filhos. Esses, notando o meu interesse, tinham enorme prazer em me contar qualquer novidade sobre ele. As minhas perguntas sobre Diamante Negro eram todas prontamente respondidas.
E tudo ia muito bem até Diamante Negro não se tornar visível aos meus olhos.
- Diamante Negro foi vendido!
O comentário de meu marido me entristeceu.
Quer dizer que eu não veria mais Diamante Negro? Não olharia para ele e repetiria para mim mesma satisfeita que o nome era tal qual o dono? Decepção! Esse sentimento se apoderou de minha pessoa sem pedir licença. E o amor? Eu acreditava que o dono do Diamante Negro o amasse e por isso havia lhe dado aquele nome. Jamais imaginei que Diamante Negro fosse vendido algum dia!
Entendi que estava enganada. Tive que me conformar com o triste fim de Diamante Negro. Ou talvez quem sabe não seria um triste fim... De repente, Diamante Negro havia sido comprado por uma pessoa diferente. Quem sabe essa pessoa não iria lhe providenciar um adequado conserto e pelo menos uma manutenção anual? Nova pintura, novo estofamento. Teria uma cor negra luminosa e faria jus ao seu nome aos olhos de todos.
Creio que tenha sido esse o fim de Diamante Negro e nem por um segundo cogito a possibilidade dele ter ido parar em um ferro velho. Seria demais para um carro que mesmo parecendo uma lata velha ostentava um nome tão bonito e com tanta dignidade!
No lugar de Diamante Negro jaz agora um Kadet de cor azul. É bonito, não nego. E mais novo... Contudo é comum! É apenas um Kadet como outro qualquer, sem nome, sem nada que o diferencie dos outros de sua espécie ou marca.
Findou-se o objeto de minha admiração. Estou voltada agora para outros assuntos, outros fatos e outros acontecimentos.
Termino aqui minha crônica (até que enfim!) e minha única e última homenagem a Diamante Negro. Que ele esteja bem onde quer que tenha sido levado e que o seu novo dono saiba reconhecê-lo como ele verdadeiramente é: Um Diamante Negro!