DIREITOS E DEVERES
O voto é um direito e um dever do cidadão. Ao completar 18 anos, feliz e quase emancipada, me senti orgulhosa com meu título de eleitor, mesmo depois de enfrentar uma tarde chuvosa, numa fila que dobrava o quarteirão. Saí do Cartório Eleitoral pensando: agora vou poder escolher. Grande engano, pois, em 1969, a gente votava pela metade. Estávamos no auge da ditadura militar e só podíamos votar em vereador, prefeito e deputado. Meu entusiasmo arrefeceu, me senti mutilada mentalmente. Eu, quase universitária, intelectualizada, consciente e com todas as credenciais, não podia escolher os cargos chaves do País. Presidentes eram escolhidos por uma Junta Militar e governadores designados pelo presidente, também militar. Me criei podada. Passei minha juventude podada em meus direitos, porque naquela época só haviam deveres. Eu era obrigada a votar em cargos que não tinham a menor vez, frente a dureza da ditadura. Ditadura essa que recrudesceu na década de 70, com o "Presidente Sorriso" Emílio Garrastazú Médici. Sorrisos à parte, Médici implantou o período mais duro e cruel da nossa História. Pão e circo. Obras gigantescas como a construção da rodovia Transamazônica, que cortaria a densa floresta equatorial Amazônica (alguém já viu como ela está hoje?). O Brasil vibrava com nossos heróis que, de jogo em jogo, nos davam o TRI Campeonato Mundial de Futebol. E como aqui no Brasil acontece o óbvio: roubaram a Taça e a Jules Rimet virou caldo. Enquanto o povo se distraía com as conquistas, se achando, Médici e os que o precederam prendiam qualquer pessoa suspeita de comunista, torturavam e matavam nos calabouços do DOPS.
Isso me dói. Porque minha geração, que era politizada e tinha condições de escolher um bom presidente, estava com as mão amarradas e foi roubado seu direito de escolher. Hoje, com todas as liberdades jurídicas, estamos com uma geração apática, sem interesse político. E por dois motivos: o primeiro é que a ditadura produziu uma geração desinteressada, que prefere arruinar os tímpanos com sons estridentes, com letras que são um ode à idiotice. O segundo é que o cenário político desgarrado em falcatruas, perdeu a vergonha devido a impunidade e criou uma geração que não acredita e que perdeu a esperança que esse quadro mude.
Hoje, a maioria vota porque é obrigada, sem pensar muito, sem acompanhar e analisar os candidatos. E, por isso, eles se perpetuam vitaliciamente no poder. Poderia citar muitos que estão lá (em Brasília) há 20, 30 anos e o que fizeram? Só aparecem em época de eleição, naqueles chatos e obrigatórios programas eleitorais dos meios de comunicação (e nem a máscara do Zorro usam para esconder a cara). A população não escuta, e nem adiantaria, pois são sempre as mesmas não cumpridas promessas. E acaba votando no nome mais conhecido. Por isso se reelegem ladrões de colarinho branco (que deveria ser marrom, de tão sujo que está). Para não elegê-los, só se não concorressem.
É, brasileiro não tem só memória curta. O brasileiro está desiludido, desesperançado, sem ter em quem acreditar e completamente apático aos seus direitos. Quase estamos a concluir que voto é um direito e um dever, mas não muda a cara do País. Porque fazem 20 anos que ligo a TV e lá estão o Sarney, o Collor, o Renan, só para citar alguns. Falta o ACM, porque este deve estar angariando votos em outros planos.
Será que lá trocam votos por favores? No Céu tenho certeza que não...