Carta a uma vizinha voyeur de ouvido.

Rascunho

Alexandre Menezes

Senhora Vizinha,

Peço desculpas pela formalidade no tratamento. É que desde a convocação feita pelo síndico, para uma conversa indiscreta, fiquei com um certo medo da senhora. Reclamação bem relatada, apesar de um pouco fantasiosa, e que aclamava pela lei do silêncio. Respeitador que sou, providenciei uma porção de mordaças e algemas. Imagina.

Quanto ao excesso, tens realmente razão. Boa parte do barulho pode mesmo ser evitada. Em várias atuações sou bastante exibicionista. É que, ao saber da sua mania de parar tudo para ficar escutando ao primeiro sinal de que tenho visita , exagerei de sacanagem e na sacanagem. Não adianta negar. Descobri na saída de uma reunião do condomínio ao ser abordado por outra vizinha, aquela que às vezes escuta contigo, com perguntas sobre meus hábitos. Fiz um convite para conhecer de perto, ela aceitou e preservo a sua identidade usando nomes de bichinhos. Sim, não se espante, é ela toda a “Arca de Noé”.

Como qualquer pessoa, tenho diversos defeitos, porém, poderiam ser ainda maiores caso não fosse essa minha exagerada timidez que me tira o atrevimento. Não sabe da vontade que tenho de dizer que você é a mulher mais sexy do condomínio. Freqüentamos a academia do prédio, no mesmo horário, e nunca trocamos uma palavra. Essa minha opinião pode ser confirmada por sua sobrinha. Sempre fica irritada ao ouvir sobre meu anseio de poder compará-las de outra forma porque, aos olhos, a senhora ganha da novinha. Ah! Essa história de engarrafamento da faculdade para cá é desculpa ao menos uma vez por semana. Viciou na mentira a menina.

As outras não a conhecem, mas as duas zombam da sua situação. Falam que está em atraso desde a morte do seu marido, ou muito antes disso, já que ele era bem mais velho e se tratava de uma união por interesses. Tais afirmações me levaram a uma tripla preocupação: mulher mal amada e mal comida ao mesmo tempo é um enorme perigo para a sociedade. E de TPM então? Não quero nem pensar na hipótese.

Vivo num mundo meio lúdico. Misturo o real com fantasia freqüentemente ao ler, escrever e em outras ocasiões. Na minha imaginação, já fomos personagens de histórias do Trevisan, do Garcia Márquez, do Veríssimo, minhas. Mas, como a senhora tem cara de foto novela ou daqueles romances que vendem em bancas de revistas, até aceito deixar de ser ortodoxo e, caso seja necessário, me desprendo, nesses momentos, dos meus nobres princípios para dizer palavras altruístas encostadinho na sua orelha.

Sei que detesta ser sozinha e se o problema for a companhia para aqui entrar, fale com a bezerrinha – ela mesma, a nossa vizinha – que insiste para que eu também a convide. A maluca confessou ter uma enorme atração por ti e acredita que um dia você se libertará para um “ménage à trois”. Eu me nego e sempre a defendo. Digo que no apartamento ao lado existe uma conservadora mulher, que não suporta mais lutar contra seu reprimido lado voyeur que deseja ir além dos ouvidos, das paredes e da imaginação.

Beijos e carícias com a ponta da língua desde a primeira vértebra até o cóccix. Ah! E de ida e volta. Espero não ser processado ou despejado.