EU, ARTISTA DA GLOBO!

Olhando extasiado o forte nevoeiro sombreando Gramado, sentado num romântico banco da Rua Coberta, abracei minha linda esposa e nos beijamos. Ali, juntinhos e abraçados vendo o fog espalhar-se sobre a arquitetura estilo europeu, as pessoas agasalhadas indo e vindo aos seus respectivos destinos, deixamos o relógio esquecido no hotel e buscávamos eternizar aquele momento mágico e encantador. Estávamos ali para passear e usufruir daquele ambiente romântico e charmoso típico da Serra Gaúcha. A vida se mostrava bela e nós desfrutávamos da serena magia que parecia estar presente em cada espaço vislumbrado.

Súbito, quando parece que o êxtase nos embriaga e o que acontece em derredor não tem qualquer sentido para quem está feliz, um inesperado sujeito esquisitão, meio que tanto abobalhado, alto, bermuda escura, camiseta sem graça e chinelão amatutado, aproximou-se de nós e, de chofre, me olhando bem nos olhos, indagou sem o menor preâmbulo: "Você é um artista?" Deitei os olhos sobre o sorriso disfarçado de minha esposa e fiquei sem esboçar reação, ausente de palavras por não saber o que dizer ao sujeito. Ainda assim, respondi o óbvio: "Não, não sou artista" . Estranha essa indagação completamente descabida e despropositada. Ainda assim, tentei levar na esportiva para desvencilhar-me depressa do intruso e voltar às delícias do namoro no entardecer de Gramado

Ele pareceu genuinamente surpreso com minha resposta, podem acreditar, e, descontente como se não acreditasse em mim, não se conteve: "Você é um artista da Globo, sim, eu reconheci você, não tente me enganar!" Cara estranho aquele, como podia confundir-me com atores globais? Bom, aquilo já estava indo longe demais, claro. Que loucura, que desplante!

Percebi, então, que o malfadado sujeito era, estava para ser ou tinha pirado completamente e, para não contrariá-lo, afirmei decidido: "Não espalha para ninguém não, por favor, estou incógnito e não quero que a mídia me descubra." Ele se mostrou satisfeito, agora sim ciente de estar à frente de famoso artista contratado pela Globo, algo nada usual para mim porque o equívoco acontecia comigo.

Ele sorriu meio cúmplice exibindo dentes irregulares e exigiu, ainda deixando tranaparecer aquele estranho ar de riso nada normal, e tascou confiante: "Se você me der um autógrafo eu não digo prá ninguém que você é um artista e está aqui em Gramado sentado tranquilo perto da Rua Coberta." E sacou do bolso um caderninho de anotações mais a caneta, passando-me em seguida. Conseguem discernir esse fato? Ele se disse meu fã e queria um autógrafo.

Notei o sorriso maroto de minha esposa ao meu lado, procurei conter-me para não rir também e, circunspecto, assinei meu autógrafo cheio de pompa. Entreguei o caderninho assinado e a caneta de volta ao esquisitão, que, todo entusiasmado, piscou-me o olho e, feliz da vida, se foi dizendo à guisa de cumplicidade:"Não se preocupe que ninguém vai saber que um artista da Globo está sentado na Rua Coberta com a esposa, fica somente entre nós"

Segurando a gargalhada, eu e minha esposa viramos o rosto para um sopro brusco de nevoeiro resvalando nossos cabelos.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 17/11/2009
Reeditado em 26/11/2009
Código do texto: T1927833
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