Diário B.

Viajo pela língua como pela geografia, pelas palavras como sobre o oceano, pelo som de cada letra, e seu eco, no ar.

Espreito lábios, atrás-adiante, nos dentes, a língua. Escuto sotaques – rrrepele o r paulistano -, tão raro soa o meu, que poucos entendem. Ele fala português, dizes, estranham-se, desconfiam. Aprendo a pronunciar cada som: Sputnik é Es-puti- ni- que, soletras, psicólogo, pi-si-có-lo-go, quando nós comêramos o p. Lá, de onde venho, se perdeu a diferença, c – z, g – j, tudo é x, já quase nem se sesséia. Extravio-me no simples abecedário, como Benjamin dizia que havia que se perder numa cidade para chegar a conhecê-la.

Essa cidade, sem a consciência de tal, sem uma idéia concebida, é como ela, essa língua que cresce sem limites, que sem parar aumenta, para as mesmíssimas fronteiras do delírio e da miséria, do barulho e do morro. Tem suas avenidas, seus becos, os bairros lamacentos, seus quarteirões de nata, essa língua bem delineada no centro, desfiada na periferia, desviando-se, retorquindo-se, reinventada. Ignorância geradora: perdendo-se, se encontrou.

Viajo pela tua língua como pela vida.

Em B. H. sexta feira 23 de outubro de 2009

quase três meses depois