ECOS & CHEIROS

Fim de ano chegando,espírito natalino pedindo passagem,lembranças...expectativas...novos sonhos...enfim...
Resolvi dar uma vasculhada em meus natais e percebi que foram todos,sem excessão,repletos de sonoridade e aromas.
Os cataloguei em tres diferentes etapas da minha vida:
PRIMEIRA: "Natais de minha infância"
Havia prometido a mim mesmo que não mais falaria na "rua do Fomento",e de repente,é nela que me vejo agora.
A molecada da vizinhança à caminho da mata.Catar os musgos,as bromélias,as pedras envelhecidas...Trazê-las para o presépio de dona Avelina.A árvore de natal (uma espinhosa araucária,legítima)vinha na carroça,cheia de cuidados para que nenhum galho se quebrasse.
Presépio montado.A fonte,o engenho,as ovelhas,os reis magos...Pequenas ruelas traçadas com areia,ladeadas de musgos,no lago de espelho,banhavam-se os cisnes.
Pela árvore,algumas bolas coloridas,chumaços de algodão e anjinhos delicados que as mãos abnegadas da dona da casa recortava em papel crepom.
Alegria na pequena rua.Natal no subúrbio!...Mulheres de mãos na massa.Cucas recheadas,fornalhas escaldantes...goiabada,uvas passas,canela...Cheiros de Natal!...
Casas caiadas.A baba de tuna,espinhos de cacto,com seu asco forte,dando fixação à cal...Cheiros de Natal!...
O resultado final?...Casinhas brancas,soleiras delineadas em vermelho forte.Pombais em festa,perdidos nos espaços verdes da minha memória.
Ameixas maduras caindo sobre os pés de alecrins.A mistura de ambos:um bouquet inesquecível,embriagador.Cristhian Dior,invejaria,se o tivesse sentido.Cheiros de Natal!...
Cerveja caseira.Espumante...Essa,então,tinha cheiros e ecos...
Cheiro do lúpulo,do acúcar caramelizado...ecos de rolhas que não resistiam à força da fermentação.Coisas de Natal!...
Rádios ligados em volume alto.Antigo anúncio das casas Pernambucanas:"Dezembro,vem o Natal!..."Ecos natalinos!
Noites encantadas de natais de minha infância.As vozes das rezadeiras e capelães na casa de dona Avelina:"Dooorme em Paz oh Jeesús!..." Ecos de Natal! Gaitinhas de boca (os presentes nunca iam muito além disso),sons enquadrados em janelas caiadas.Ecos de Natal!...Ouvidos pelas estrelas,viajantes das madrugadas."Doorme em paz oh!... Jeesus..."E dormiam também os meninos da minha rua.Despertavam com sabiás,cantores de dezembro,embrenhados nas guabirobeiras,saudando a aurora de um novo dia.
SEGUNDA: "Outros Natais"
Vejo-me agora,numa sala ampla de uma casa polonesa...A família é grande,a alegria é imensa.
Num canto da sala a antiga TV Colorado (em preto e branco) ,aquela com "perninhas",anuncia o pouco tempo que falta para o início da missa do galo.Ao lado,numa eletrola,toca um disco de vinil...Numa das faces ,músicas natalinas do coral de Varsóvia.O "Dziadzio"cantarola junto.Faz pose!Brilham seus cabelinhos brancos.Orgulha-se em conhecer e dominar a sua língua Pátria...A voz aguda ressoa pela saleta:"Glóooria...!"Passa um neto abusado,correndo,complementa em tom meio debochado:"In excelsius Deo"...Ecos de Natal!...
Na outra sala,arruma-se a mesa para a ceia.Falam todos ao mesmo tempo. Estão felizes.Zumbidos de natal!...
A "Bapka",cansada,entrega os pontos...Um lhe abraça,outro lhe elogia,os pequenos querem-lhe o colo...Aconchegos de Natal!...
Chegaram os parentes de Curitiba.A familia está completa...Sete mulheres!...A casa das sete mulheres!...Uma delas é aquela a quem escolhi para complementar a minha existência...Laços de Natal!...
Comidas típicas polonesas,temperos diferentes...O panetone e a torta de uvas,exclusividade de Hilda (hoje tem natais em outras dimensões),Cheiros de Natal!...
TERCEIRA: "Recordações"
Agora reencontro-me nas lembranças...Nada que me intristeça,pelo contrário,fazem-me avaliar o quanto soube aproveitar os momentos bons que a vida me ofereceu...Foram-se tantas pessoas..."Bapka" e "Dziadzio",combinaram-se e num dia de um dezembro dos anos 90,partiram..."Bapka",pela manhã,"Dziadzio",à tardinha...Morte natural em ambos...Seguiram juntos os seus caminhos eternos...Um coral de anjos certamente os recebeu,com um "Glóooria!..." Afinadissimo.
Depois foram-se tantos outros e os encontros de familia,a partir de então,tornaram-se quase inexistentes.
As noites de natal continuam lindas e por vezes tenho a sensação de que estrelas são cúmplices do meu silêncio...Sabem que dentro dêle,num cantinho qualquer,repousam docemente ecos embassados de natais distantes,cheiros de um tempo que o coração jamais consegue esquecer.