O vício e a arte

“Se não houvesse idiotas não haveria guerra”.

Os grandes meios de comunicação matam a fome das coisas sensíveis até a saturação. Para trabalhar com o interesse primitivo da curiosidade e renová-lo torna-se necessário partir para objetos estranhos, não identificados ou bizarros. São eles os rudimentos do novo ciclo de atenção além do interesse surrado pela mesmice da programação. Toda a alimentação espiritual acaba viciada nos mesmos ícones produtivos, tanto maior é o fato quanto maior é a província.

Vamos considerar o desafio da produção de uma canção através da arquitetura da letra. Finalizada precisará de ouvinte. Nada mais curioso. Logo surge a tentativa de aproximar o objeto de análise para bem perto das referências surradas: Igualzinha ao rei do baião... A voz então é igual ao do rei da bossa...

Mostrar para alguém um objeto da própria elaboração exige um ego considerável para suportar todas as feridas. Aguentar os esboços das reações primitivas que se revelam traz como exigência uma forte couraça. O próprio desprezo é primitivo. Ou ainda a pior reverência nasce no interior da clássica pergunta: foi você quem fez? Primeiro tópico na lista das mais grosseiras e naturais observações.

Trocar atenção é algo raríssimo. Pessoas atenciosas tornam-se apaixonantes porque foge do padrão comum das terras ribeirinhas. A melhor parte de qualquer terapia é a viva atenção disposta até mesmo ao colorido retórico. É vasta a extensão da sensibilidade grotesca, fruto da subterrânea produção consagrada na mesmice dos pacotes elaborados simplesmente para venda. No caso dos pintores vemos com clareza a cegueira para mínima identificação do valor real. O dono de um imóvel pintado não elogia para evitar a valorização superior ao preço combinado. Ao ver uma casa inteiramente pintada o dono boceja um “está bom!” e acabou. Um por cento seria capaz de dizer: “maravilhoso trabalho!” Na pintura dos artistas plásticos o vazio criado entre a obra e o observador é a de incapacidade completa de discernimento estético. Motivo porque os críticos macarrônicos deitam e rolam sem réplica nem tréplica. Certa vez colhi numa exposição a seguinte pérola de invejoso diante de um quadro esplêndido.

- Que pena!

- Pena de quê?

- Pena que é a tela é pequena.

O tamanho 24x30 não lhe agradava, estava insatisfeito com as dimensões da obra. Ficaria melhor se fosse gigante. Observador naturalmente com problemas de sensibilidade superior ao de visão. Talvez se fosse Picasso, completou outra senhora hesitante, valesse muito. Lamentou, para ser fina, para não ficar calada, porque ter opinião sobre tudo é ser moderno. Picasso lhe metia entre as referências dos valores mais elevados.

A desvalorização total da obra serve como vingança para que o artista se conclua apenas após a podridão da morte. Sim, há uma vingança secreta e severa contra o talento. Isso é poderosamente comum na vida interiorana. Pulsa melhor nos corredores institucionais composto pelas legendas de época. Robotizados pela burocracia do homem tecnizado todo vício é do povo. A vida ribeirinha será sempre marcada por cartas definidas pelo padrão colonial. Seguindo o ritmo do ciclo cultural contaminado pela depreciação. A depreciação é a linguagem coroada na falta do que dizer, pois a coroação deve coincidir com a “tradição” o que é a ruína da criatividade.

Logo se estabelece nomes ideais para os aplausos credenciados. O que está no ar é perfeito, limpo, inatingível, puro. Por ser inatingível constrói criaturas incapazes de atingir as alturas da promessa, exceto pelo prazer dos vícios, puro linimento entre essa pureza das imagens fabricadas para ser o paraíso mental do poder estabelecido. Paraíso do poder sem contradições, sem pruridos, sem resíduos e pior, sem tolerância. Válido é o que vende no mercado irrestrito de fato e limitado de direito.