Autencidade

Eram aproximadamente 15h25min da tarde de quarta-feira, mais precisamente dia 26, na semana passada. Caía uma chuvinha fina e eu tentava equilibrar o guarda chuva, uma bolsa tão pesada que eu não consigo entender porque insisto em carregá-la, e mais duas pastas enquanto tentava atravessar a avenida Afonso Pena em frente a Igreja de São José no centro de Belo horizonte.

Consegui sobreviver, mas quando cheguei ao outro lado deparei-me com uma cena que me deixou chocada. Uma moça simplesmente abaixou-se na calçada, desceu as calças e urinou no meio da rua, ou melhor, da calçada! Talvez não devesse ter me espantado, afinal quem conhece bem o centro de Belo Horizonte sabe que cenas como essa não são assim tão incomuns. Mas me choquei, talvez eu seja muito puritana.

A garota era certamente uma moradora de rua, aparentava ter em média 23 anos, morena quase negra, magra e com cabelos que algum dia devem ter sido cacheados, mas que agora eram apenas um emaranhado sem definição.

Segui em frente na minha prova auto-imposta de equilibrismo e a imagem da garota não saía de minha mente, “como uma mulher pode chegar a tal ponto?”, eu me perguntava. Depois de alguns minutos comecei a pensar que direito eu, que tenho casa com banheiro limpo, água encanada, papel higiênico perfumado, lenços umedecidos e ultimamente até álcool gel tinha de julgar aquela moça? A princípio conclui que a atitude dela devia ser fruto do que suas condições de vida haviam feito dela. E talvez seja mesmo, mas deixo essas explicações ao encargo dos sociólogos, psicólogos, enfim, pessoas que possam falar com maior propriedade.

Mas outro pensamento me ocorreu, e por um momento a invejei. Aquela moça de cabelos sujos e carente do que a maioria de nós chamaria de pudor conseguiu ser algo que nem de longe eu e a grande maioria de minhas amigas conseguimos ser. Ela conseguiu ser autêntica.

Convenhamos, é necessário um mínimo de autenticidade para se baixar as calças e urinar em pleno centro de Belo Horizonte, ela podia ter escolhido qualquer outra rua menos movimentada para fazê-lo, mas não o fez. Ela decidiu fazer xixi em frente à Igreja de São José!

Pensem comigo: Quantas vezes já quisemos agir de determinado modo e não o fizemos por medo do que os outros poderiam pensar? Quantas idéias que poderiam ter dado frutos brilhantes abortamos impiedosamente por medo de sermos consideradas estranhas? Quantas de nós já abriram mão de estudar aquilo com que sonhamos desde a infância por não ser a carreira da moda ou a que poderia nos trazer maior retorno financeiro?

Sim queridas, é preciso autenticidade para não trair a si mesma, contudo mais do que autenticidade penso que algo mais seja necessário, é preciso não ter medo, e isso aquela garota não tinha, por um motivo muito simples: Ela não tinha nada a perder. Com que tipo de julgamentos pode se importar uma menina que passou a vida nas ruas? Naquele momento apenas uma coisa ocupava sua mente, ela precisava urinar. E como ela não tinha uma imagem a preservar diante das pessoas, pode ser fiel a si mesma.

Nós passamos a vida construindo uma imagem e depois nos tornamos escravas dela. Preservá-la se torna tão importante que em função disso matamos nossos sonhos.

Mas sabe de uma coisa? Por mais que tente você nunca conseguirá agradar a todos. Por maior que seja o seu empenho um dia você acabará desagradando seu chefe, diante de quem você desiste de suas idéias para acatar as dele mesmo sabendo que as suas são infinitamente melhores, e poderá até ser demitida.

Um dia você não conseguirá ser tão perfeita e acabará por desagradar o seu príncipe por quem abre mão de todos os programas que gosta apenas para satisfazê-lo, e talvez ele até considere a idéia de procurar outra princesa.

Um dia sua turma de amigos diante da qual você treme só de pensar em ser rejeitada, seguirá o caminho deles e você terá que seguir o seu.

Um dia, você ficará velhinha a ponto de não ter mais tempo de realizar todas as coisas das quais você abre mão agora por medo de não ser aceita.

Portanto, é bom começar a pensar se a imagem pela qual você tanto luta para preservar, lá na frente compensará o fato de não ter sido você mesma.

Empregos, boa aparência, amigos se vão, e o príncipe que você tem hoje ao seu lado um dia irá também, mesmo que seja somente quando a morte os separarem. Mas essa pessoinha cheia de sonhos que você aprisiona aí dentro ficará com você até o seu último suspiro. Deixe-a viver, permita-se ser autêntica, permita-se aprender uma lição com essa garota que talvez eu nunca mais volte a ver e de quem certamente nunca saberei nem mesmo o nome. Ame-se o bastante para saber que se todos te deixarem, você ainda terá a si mesma, e então tenha coragem de encarar uma avenida movimentada, descer as calças e ser fiel aos seus sonhos!

Patrícia Ferreira
Enviado por Patrícia Ferreira em 16/11/2009
Código do texto: T1926563
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